Não entendo

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Minha mãe era muito gentil. Ela se ofereceu para me ajudar em tudo, além de me contar cada história acerca de nossa vida antes do acidente. Era estranho olhar para ela e não reconectar a alguma memória, era desconfortável não ter memórias. 

Levei as coisas melhor do que todos imaginavam. Recebi as notícias de que estava bem e que com a ajuda da  fisioterapia e dos exercícios de fonologia, aos poucos, eu iria conseguir atingir a independência plena dos meus movimentos. De acordo com o médico, o destino me deu mais uma oportunidade, de acordo com a minha mãe, foi um milagre. Seja qual for, o preço da minha vida foi a perda dos sentidos que criei durante os meus vinte e quatro anos. 

Conheci meu irmão mais velho. Ele era um imbecil, imagino que assim que deveria ser um irmão mais velho. Jin falava demais, até chegou a me dar um tapa na cabeça. O que levou a nossa mãe dar outro bem mais forte nele. Eu gostei da dinâmica, parecia familiar. A sensação de familiaridade era algo que expurgava meu medo. 

Comecei a fazer terapia. No início a moça apenas falava, quase num monologo. Assistíamos vídeos variados e jogávamos. Eu não entendi muito bem o efeito dessa prática, mas a terapeuta tinha um sorriso simpático e os cabelos mais ruivos que eu já vi, desde que acordei claro. 

As aulas de fono eram estressantes, mais do que as de fisio. O professor era paciente mas eu nem tanto. Era difícil pronunciar certas palavras, eu me pegava gaguejando viciosamente. Ele me disse para manter a esperança, era reversível, afinal, fiquei calado por um bom tempo, as cordas vocais estavam em desuso. Porém, não atrofiaram. Graças a insistência dele, observei minha melhora. Agora, eu conseguia formar frases sem sentir que estou forçando demais.

Fisioterapia era ótimo. O esforço físico me cansava o suficiente para de noite não conseguir pensar em mais nada além de dormir. Assim como minha voz, meus movimentos foram sendo recuperados, de modo até mais rápido do que a fala. 

Poucas pessoas foram me ver, entre eles alguns poucos familiares. Assim como também recebi a visita da minha avó, a mais velha era tão gentil e foi uma das únicas que eu de fato gostei que estivesse ali. Apreciava as visitas dela. Me contava historias e mais historias, agora que consigo falar, posso interagir melhor com ela, era um amor de pessoa.

Recebi muita informação, ainda tentava lidar com todas elas. Já sabia bastante coisa sobre quem eu era, formado em design de interiores, fazia uma pós em comunicação tecnológica. Nas horas vagas podia ser modelo, inclusive atuei na área por alguns anos. Era muito bom em esportes e, de acordo com meu irmão, um pé no saco de tão competitivo. 

Sim, era estranho ter que ouvir de terceiros sobre sua própria personalidade. Afinal, cada pessoa tinha uma forma de ver o outro. As conversas com a terapeuta me deixaram mais tranquilo em relação a descobrir minha vida passada, ela me guia nessa estranha jornada sobre quem era eu. E afirmou que tudo bem mudar, de qualquer jeito, eu deveria tomar rédeas dos meus caminhos e, principalmente, da minha mente. 

Uma semana antes de ir embora, um homem veio me ver.  A enfermeira estava me ajudando a tomar as vitaminas quando ele entrou, a mulher gorducha que me acompanhou nas semanas de recuperação abriu um sorriso amplo para ele, como se já o conhecesse. 

Ele retribui com um aceno. Ele era bem mais alto que ela, a cabeça da pobre mulher, coberta pela touca branca, mal batia no meio do peito dele. O cabelos do visitante estava ondulado sobre sua testa, de um tom castanho ou quase ruivo? Seus olhos eram enormes e carregavam certo sentimento que eu não pude identificar. 

- Mateus, você finalmente veio, rapaz! Vou deixar vocês conversando. - A enfermeira Beth saiu lançando uma piscadela para mim. 

Por que ela piscou assim? 

Quando tudo der errado, segure o meu coração (Reeditando)Where stories live. Discover now