Capitulo 6

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— Tá bom, eu preciso te avisar que é um lugar estranho. — ele diz, me encarando de relance.

Realmente, é estranho olhar para o prédio diante do qual estamos parados. Há algo de incerto na expressão de Vicente, como se não tivesse mais certeza de que foi uma boa decisão estar aqui e nessa companhia. Não o julgo. Não sou exatamente uma pessoa fácil de conversar. Mas ele também é insistente, e não me permitiu ficar calada por muito tempo. E não é tão difícil assim falar com Vicente. Não mesmo.

Há um letreiro na fachada do prédio, mas ainda não estamos perto o suficiente para que eu consiga ler, e o sol não colabora com minha tarefa, a luz desfocando ainda mais as gravuras. É uma construção bonita. Antiga, da exata forma que me faz ficar feliz apenas em sentar e observar a arquitetura. Seria fácil me perder nos detalhes imperiais que o cercam.

Mas Vicente não quer apenas sentar e observar.

— E onde, exatamente, nós estamos agora? — pergunto, porque sou uma carioca fajuta que mal conhece a própria cidade, no momento em que cruzamos juntos a entrada.

Ergo  os olhos para a inscrição ao mesmo tempo em que ele responde:

— Bem-vinda ao Arquivo Nacional.

Continuo encantada com as formas e as cores do local, o conjunto todo formando uma melodia distinta e de outro milênio em minha mente.

— É lindo. — digo, ainda sem entender o real objetivo dele em me trazer até aqui.

Vicente concorda com a cabeça, distraído pelos arredores tanto quanto eu. Ele ergue a cabeça e observa o teto por alguns segundos enquanto anda. Faço o mesmo, mas preciso parar de me movimentar para manter o equilíbrio. Um pouco à frente de mim, ele para e baixa o queijo. Repentinamente, vira-se para trás e pega minha mão, recomeçando a andar. Sou pega tão de surpresa que tropeço para frente, esbarrando nele e quase refazendo a cena do corredor. Vicente ri como uma criança, mas continua me puxando. Tudo nesse minuto parece uma memória retirada de um diário velho exagerada pelo brilho da nostalgia, fazendo-a soar dourada, sem falhas, iluminada. Como ouvir sua música preferida em um disco de vinil, movendo a agulha sempre que o último acorde soa. Como destravar uma partícula esquecida da infância.

Mágico. Etéreo.

Ele abre uma porta de madeira escura, sua altura assomando-se à minha frente, sua cabeça quase cobrindo por completo a placa de APENAS FUNCIONÁRIOS pregada à madeira. Meus olhos se expandem, mas não tenho tempo para questionar, pois o moreno me puxa pra frente junto consigo, me fazendo seguir seus movimentos. A porta se fecha silenciosamente atrás de mim e me dou conta de que não larguei a mão dele. E agora estou apertando-a. Porque tem um funcionário na sala de APENAS FUNCIONÁRIOS. E nenhum de nós dois é um funcionário. E ambos temos idade para sermos presos por invadir propriedade restrita governamental. Quantos anos de cadeia esse delito dá?

Sou uma criminosa. Por culpa inteiramente de Thais. Vou esganá-la. Vou delatá-la para a polícia por coação e calúnia.

Olho nervosamente para Vicente e vejo suas covinhas suaves decorarem suas bochechas. Sinto vontade de arrancá-las dali. E logo depois devolvê-las, porque elas se encaixam, muito, muito bem nele, não importa a situação caótica em que ele me enfiou.

O homem nos olha rapidamente e vira em sua cadeira de rodinhas em nossa direção. Me encolho. Ele redireciona sua atenção e fecha o computador à sua frente antes de efetivamente lidar conosco. Sua postura se relaxa no assento e ele corre os dedos pelo cabelo.

— Oi, cara!

Minha boca se abre um centímetro. O homem sorri pra Vicente que sorri para o homem. Então ele se vira e sorri pra mim.

Último Som Where stories live. Discover now