Capítulo 35

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Quando volto pro quarto, a alma infinitamente mais leve, e a porta trava no amontoado de envelopes, simplesmente não consigo mais me conter

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Quando volto pro quarto, a alma infinitamente mais leve, e a porta trava no amontoado de envelopes, simplesmente não consigo mais me conter. É como se o que me proibisse de lê-los finalmente tivesse sido retirado de sobre mim, e me pergunto se não foi meu medo quem fez isso.
Meus dedos percorrem ávidos a pilha em busca de algum indicativo de qual foi a primeira a ser enviada, meu coração batendo na garganta. Fecho os olhos quando a encontro, saudade me atordoando com força excessiva por um segundo.

Respiro fundo, forte.
E então leio


Luísa,

No dia em que vi você, a primeira coisa que eu fiz foi dizer para Deus algo como “eu vou casar com essa garota”. Você me hipnotizou desde o primeiro momento. Tenho orado por você desde então, e quanto mais eu oro, mais amo você. Nunca te amei tanto quanto na noite passada, quando eu perdi o sono pedindo por você, pedindo para que você estivesse bem. Eu olhei no seu rosto quando deixei você ir embora, sabe. Eu vi tudo. Vi a dor, vi a raiva borbulhando na superfície, vi o quanto não queria ir mas achava que devia. Eu preciso pedir desculpas. Essa era uma dor que eu poderia ter evitado e há pouquíssimas coisas que eu não faria para impedir que o sofrimento te tocasse. Luísa, você me desfez assim que colocou os olhos sobre mim. Eu a queria inteira, queria estar a seu lado e mostrar isso para o mundo todo. A única coisa que me impediu de me jogar de cabeça no que eu sentia foi Deus. Ele me pediu calma, me pediu para esperar por você. Me pediu para que eu esperasse seus processos, esperasse que você estivesse pronta. Mas eu esqueci de tudo isso quando vi você sorrindo debaixo das estrelas, brilhando mais do que todas elas. Você era a única coisa que eu via. Eu peço desculpas por te fazer sofrer, mas não posso pedir desculpas pelo que levou à isso. Não estou arrependido. Eu ainda teria beijado você milhares de outras vezes, teria dito que te amo de novo, teria feito de tudo para permanecer ao seu lado. Eu teria encontrado jeitos de arrancar mais sorrisos. Teria te levado a mais lugares e segurado sua mão por mais tempo. Não faça eu me desculpar. Não me faça pedir desculpas por amar você.

Vicente.



Luísa,

Me desculpa pela última carta. Foi confusa e quanto mais eu penso nisso, mais acredito que você não deveria ter lido. Você é a boa com as palavras, você é a boa em organizar seus pensamentos. Não eu. Não agora.
Eu só precisava tirar você da cabeça por um momento. Aquele foi o jeito. Não deu certo, de jeito nenhum. Você continua aqui, o tempo inteiro.
E a verdade é que perdi a vergonha de mostrar quem sou pra você há muito tempo. Com todos os defeitos e falhas de comunicação que nunca tive antes de agora.

Eu amo você. Volte logo.

Vicente.



Luísa,
Tudo bem não ter respondido às minhas cartas. Droga, tudo bem se você tiver ateado fogo à elas, rasgado em mil pedacinhos ou simplesmente jogado no lixo. Mas me responda dessa vez e me diga que está bem. Não ter notícias suas está me consumindo. Pensar em você sozinha e com pelo menos metade da dor que eu estou sentindo me faz ter vontade de ir até aí e tirá-la de casa. Não importa o que você diga, não importa que me xingue ou brigue comigo ou me mande embora.
Apenas escreva para mim.
Apenas diga que vai ficar bem.
Talvez assim eu possa deixá-la em paz.

Eu te amo.

Vicente.



Luísa,
Eu entrei numa briga uma vez, quando eu tinha dezessete. Foi uma pancadaria ridícula entre adolescentes com energia demais e sabedoria de menos. Mas o motivo não. O motivo era bom. Eu me lembro de como todo o meu corpo vibrou ao ouvir homens quase adultos xingarem uma criança na rua por ser diferente deles. Lembro-me de pensar em Pietro e de imaginar o que eu faria se fosse ele no lugar do menininho. Lembro-me de sentir a raiva se espalhando junto com meu sangue. Lembro de toda a agitação que eu não conseguia conter até que estivesse em cima do garoto, desferido socos mal feitos dos quais não me orgulho. Talvez eu tenha acabado me machucando mais do que eles. Também me lembro muito bem do sermão que recebi da minha mãe mais tarde, cada palavra, e também da centelha de orgulho que brilhou em seus olhos por uma fração de segundo antes de virar as costas. Não importava. Eu já tinha decidido que não faria mais coisas como aquela. Mas agora eu quero brigar de novo. Os últimos quatro dias me encheram de energia nervosa e pensamentos demais e vontade de fazer alguma coisa, qualquer coisa, e não poder fazer nada. Não sei o que fazer com tudo isso. Então acaba virando raiva. Toda a agitação, toda impotência, todo o medo. Vira raiva. Quero brigar. Quero brigar e encontrar alguém para culpar. Quero brigar e esgotar minha energia toda nisso. Quero brigar e me cansar tanto que finalmente vou parar de pensar. Por favor não me deixe brigar. Não quero parar de pensar. Não de verdade.
Diga alguma coisa quando puder.

Eu te amo tanto, Luísa.
Você deveria saber.

Vicente.


Luísa,
Pietro nos viu da última vez em que esteve aqui. Ele ficou preocupado e não para de perguntar sobre você, o tempo inteiro.
O que eu digo para ele?
O que eu digo para ele quando apenas ouvir seu nome me faz paralisar?
Apenas me deixe ficar por perto. Só isso.

Eu amo você.

Vicente.


Luísa,
Eu vejo você sorrindo o tempo inteiro. Sonho com isso e continuo sonhando quando acordo. Eu queria ver você sorrir mais uma vez. Por todos os motivos certos. Por todas as coisas pequenas para que só você sorri. Para todas as coisas grandiosas que estão dentro de si mesma.
Se eu tivesse cedido muito antes, se tivesse te beijado no teatro, como eu quis desesperadamente fazer, o que teria acontecido? Onde nós estaríamos agora?
Não importa qual seja o final, não sinto vontade de mudar nossa história, nem mesmo um segundo dela.

Eu te amo.

Vicente.


Luísa,
Eu estou fingindo. Fingi pra mim mesmo que todas essas cartas ficariam aqui, que nunca deixaria que você as lesse. Continuo acreditando nisso até entregá-las. E então digo que não vou escrever mais nenhuma. É mentira também. Todo dia escrevo outra. É a única coisa que me faz sentir mais perto de você agora. Mas agora falo sério quando digo que esta é a última. Estou até admitindo que quero desesperadamente que você a leia. Tem coisas importantes que você precisa saber:
Eu jamais vou desistir de você. Não consigo nem pensar nisso e não há nada que você faça pra me convencer. Eu não queria ter essa conversa por escrito, mas sei exatamente o que está se passando na sua cabeça agora. Você quer que eu me afaste. Acha que está me preservando, me livrando de um fardo. O único fardo que está colocando sobre mim é o de me manter afastado. Pare de mentir pra si mesma e pare de lutar contra as pessoas que amam você. Pare de lutar contra Deus. Pare de lutar contra seus pais e seus amigos. Pare de lutar contra mim. Não vou desistir de você, e nem deixá-la se isolar ou fugir de novo. Estou apenas esperando. Não importa quantos pedaços você ache que estão quebrados em você.  Para mim você é perfeita. Você é perfeita, Luísa. E eu vou te esperar, por quanto tempo você precisar. Porque não posso viver sem meu coração, e é você que o segura, mas palmas de suas mãos.

Eu te amo agora e vou amar para sempre,

Vicente.


Limpo o rosto com as costas das mãos quando termino de ler. E então, depois de dias, ligo o celular e mando uma mensagem para Thais.

Último Som Where stories live. Discover now