O Dom.

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A noite era, sem dúvida, o pior momento.

O silêncio absoluto reinava em seu pequeno apartamento, fazendo qualquer ruído arrepiar os cabelos com um susto. Fosse um simples estalo da porta, as folhas das árvores balançando, ou um assobio causado pelo vento.

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S/N ainda lembra bem da primeira noite que começou a ver e ouvir essas coisas. Deveria ter 4 anos de idade quando foi despertada por um barulho terrível. Parecia que uma máquina muito velha tinha sido posta em movimento. A coisa rangia, trincava, estalava. De repente, um ruído forte de pancada e o silêncio voltou. Mas foi por pouco tempo.
Uns vinte minutos depois, a barulheira recomeçou.
Mesmo com medo, a criança curiosa levantou-se de sua cama para ver do que se tratava, poderia ser o elevador do seu prédio com defeito ou algo do tipo.
Em passos lentos, a S/N foi em direção ao barulho que vinha do corredor do apartamento. Ficando na ponta dos pés, ela girou a chave na porta da frente, não entendendo como diabos seus pais não acordaram com o barulho.

Estava silêncio, e não parecia ter nada no corredor.

Já estava quase desistindo quando viu um homenzinho entrar no prédio. Muito velho, encurvado e malvestido, não deu pela sua presença e dirigiu-se diretamente ao pequeno pátio que ficava no fim daquele corredor. Ia andando e resmungando meia dúzia de palavrões.
Distraída, não percebeu o tempo passar. Só se deu conta da hora quando sua mãe colocou a mão em seu ombro, mandando-a entrar ou então pegaria um resfriado, fazendo milhões de perguntas sobre o porquê da criança estar acordada.
- Ali - Ela lembra de ter apontado para o fim do corredor, mostrando o velho homem que continuava a caminhar.
- "Ali" o que? Não tem nada ali, menina. Venha para dentro, está tarde.
Essa foi apenas uma das várias cenas que se repetiram nas próximas noites, até que os pais de S/N não só mudaram de apartamento como levaram a menina para um psicólogo.

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A garota tremia de medo em sua cama. Embrulhada dos pés a cabeça com o edredom, empacotada como um pedaço de carne.
Ela tentava distrair a própria cabeça com um bom filme de comédia, mas era quase impossível fazer isso.
Com "eles" em seu quarto.
As criaturas, ela não sabia dizer ao certo o que eram. A maioria tinha silhueta semelhante a humana, mas eram deformados e assustadores.
Ela cometeu um erro enorme aquela noite, estava tão cansada ao retornar da escola que esqueceu de pôr sal em sua janela (isso os afasta).
Só notou o erro quando saiu do banheiro após escovar os dentes, vendo a silhueta de uma "mulher" sentada ao pé de sua cama.
S/N preferiu não olhar diretamente para ela, cometeu esse mesmo desvio outras vezes, e não ia repetir. Mesmo tendo uma silhueta humana, a maioria "deles" tinham o rosto sem expressão, com um buraco fundo e escuro no lugar dos olhos. Fundo o suficiente para prendê-la em um transe sem fim e paralisar de medo.
Eles cochichavam em seu ouvido frases totalmente desconexas e sem sentido algum, às vezes pareciam falar em outro idioma. Caminhavam pelo seu quarto, passos lentos e leves batendo contra o chão frio.
Podia sentir o olhar de cada um deles cravados em seu corpo.

Ela os via.
Ela os ouvia.
Ela os sentia.
Apenas ela.

E só podia ignorá-los até cair no sono.
O que outras pessoas chamariam de "Dom", ela chamou de maldição.

O que diabos você vê?! (Imagine Bakugou)Where stories live. Discover now