CAPÍTULO 05

107 19 82
                                    

LUCIAN

O tempo passa rápido. A reforma da horta não demorou tanto quanto eu gostaria e no fim das contas, eu ainda estou me escondendo dos encontros que dona Zuleica está tentando me arrumar. E pelo visto ela conseguiu uma moça interessada. Agora já tem uma semana que sempre que eu volto da escola, a filha do pastor está ajudando com alguma coisa, almoça e passa a tarde por aqui. Depois de uma situação desagradável que aconteceu ontem (a moça tentou pegar minha mão por baixo da mesa enquanto eu preparava as aulas da semana), eu resolvi escapar antes de outra situação. Mas pra onde eu iria? Não tenho muitas amizades aqui ainda, e quase todas estão dentro de casa ou no trabalho. Até que uma idéia toma forma. Pego minha moto, meu computador e vou passar uma parte da tarde na casa da família Carvalho, na companhia de minhas adoráveis alunas e sua irmãzinha sapeca.

Isso acaba se tornando um costume. Por fim, eles já passam aqui depois do almoço e já vamos juntos pra fazenda. As tardes têm sido muito agradáveis. Um dia, colhemos frutas do pomar, e resolvi fazer uma merenda. Eu amo cozinhar, mas como isso não é "tarefa pra homem", segundo a minha família, esse é mais um dos meus hobbies que eu não pude desenvolver muito bem. Acabo fazendo uma torta de banana, com a receita que a dona Zuleica me deu, e não imaginei que duas adolescentes poderiam pular e gritar tão alto quanto Mari e Manu gritaram e correram pra chamar o pai e a irmãzinha, assim que viram a torta esfriando em cima da mesa. E quando descobriram que eu gosto de cozinhar, isso acabou garantindo minha presença frequente na casa em que eu já quase moro.

As tardes são agradáveis, e quase sem eu perceber, os dias vão passando mais depressa. E todas as demais coisas caminhavam com tranquilidade, até o dia que Manu entrou em uma briga que só terminou na delegacia, com muitos feridos e um braço quebrado. Observando o comportamento dela, eu imaginei que seria só uma questão de tempo, até ela estourar e algo assim acontecer. Não sei bem como reagiria uma pessoa adulta e responsável nessa situação, pois não tenho filhos. E vejo o esforço que o pai delas tem feito, mas não tem surtido muito resultado. As gêmeas estão cada vez mais instáveis. Manu procura brigas a quase todo momento, e Mari está cada vez mais fechada em si mesmo. Mal participa das aulas, e tem se afastado dos amigos.

Não posso deixar que as coisas continuem assim, então fui a uma livraria, comprei dois livros de psicologia. Um pra eu tentar aprender a lidar com adolescentes, e outro pra tentar ajudar elas a lidar com a perda da mãe. Passei a semana lendo, e quando as coisas estavam mais calmas, fiz um bolo, ajudei Manu a trançar os imensos cabelos avermelhados pelo sol (ela foi "sorteada" com o braço quebrado), e convidei as três para uma conversa. Nesse momento, Milena começou a chorar. Não entendi o que estava acontecendo, até ver grandes lágrimas nos olhos da Mari, e ela me explicar que foi assim que fizeram quando foram contar a elas sobre a morte da mãe. Me senti um idiota.

Demorou um pouco até eu acalmar as meninas, e por fim conseguimos conversar. Sem saber direito por onde começar, e tendo apenas a "boa intenção", resolvi que era melhor dar a opção de elas dizerem o que sentem primeiro.

- O que vocês gostariam de conversar comigo?

Percebi que a pergunta as pegou de surpresa. Mas fiquei muito satisfeito ao ver que elas estavam considerando seriamente sobre o que falar. E fiquei ainda mais satisfeito quando elas realmente começaram a falar, e Mari foi a primeira.

- Não sei o que fazer sem a mamãe aqui. Queria cuidar das minhas irmãs e do papai, mas não sei o que fazer.

- Você já pensou que não precisa fazer isso? O fato de sua mãe não estar mais aqui, não significa que você deve ser a responsável pelas coisas que ela fazia. Você ainda é uma criança, não teve o preparo que sua mãe teve.

- Eu sei, mas sinto que deveria ser mais capaz. Mas não sei nem cozinhar, nem fazer quase nenhuma tarefa doméstica. E acabamos dependendo de parentes e amigos pra quase tudo. Comemos na casa da vovó Rosália, a tia Grazi ou a tia Raquel vem ajudar a limpar, o vovô Virgílio leva a gente pra escola, e na maioria das vezes, o vovô Tião busca. Papai passa o dia fora, e só vem em casa quando o senhor está, e até mesmo isso está diminuindo.

Durante a conversa, sinto que também quero chorar. Manu, fungando um pouco, completa:

- Queria que pelo menos o papai ainda estivesse com a gente.

Conversamos por mais um tempo, e terminamos abraçados. Eu fazendo o meu melhor pra não chorar junto com elas, enquanto as três pessoas que estão se tornando cada vez mais importantes pra mim, se apoiam em uma força que eu não sabia ter, até hoje. E é uma sensação maravilhosa, poder cuidar e consolar essas meninas, já tão feridas. Quando voltei pra casa, senti as lágrimas que eu segurei até agora, escorrendo. Queria poder fazer mais por aquela família, por aquelas crianças. E queria poder ajudar também aquele pai, que está tão perdido na própria dor que está negligenciando as filhas. Mas não sei o que mais posso fazer. Mesmo assim, não vou desistir. Vou continuar pensando nas opções, até conseguir algo.

Era uma vez: um quase conto de FadasOnde histórias criam vida. Descubra agora