CAPÍTULO 11

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GEOVANE

E no fim das contas, não adiantou nada os imensos discursos que eu ensaiei em frente ao espelho, as palavras que eu escrevi, e todos os preparativos que eu fiz pra conversar com ele e convencer ele a me desculpar. Quando Lena me disse que ele estava de volta, eu nem me lembrei de tirar as botas sujas e entrei em casa correndo, morrendo de medo de ele já ter ido embora se eu demorasse muito. Então eu o vi, pareceu que todo o ar em volta desapareceu. Não consigo entender como posso ter uma reação tão forte a ele, mas me senti como se tivesse levado um soco no estômago.

No meio da pane total, em completo caos interior, o branco no lugar onde deveria ter pensamentos foi tão grande, que eu não consegui me lembrar nem do motivo pelo qual eu preciso ser perdoado, e nem prestei atenção ao fato de ele estar acompanhado. Quando percebi seu desconforto, e que ele estava prestes a se despedir, procurei desesperadamente por algo pra dizer. Qualquer coisa serviria. Mas não consegui me lembrar de nenhuma das palavras que eu discuti dezenas de vezes com o doutor Túlio. Então, em pânico total, simplesmente fiz a única coisa que estava na minha cabeça desde o dia que isso tudo começou: caí de joelhos, implorando pra ele não ir embora de novo. E rezando pra que ele tivesse pena da criatura patética que eu sou.

MANUELA

O que é isso que estamos vendo? Estou em choque, e tenho certeza de que minhas irmãs também. Quer dizer que o motivo do tio Lu ter ido embora foi alguma briga que ele teve com meu pai? Fiquei muito irritada com papai. Ele esteve esses dias todos parecendo um zumbi por causa desse desentendimento? Porque vou te contar: seu Geovane não esteve bem desde o nosso aniversário. Tem sido um ciclo: primeiro ele fica ansioso, depois esperançoso, nervoso, decepcionado, depressivo, irritado, e volta pro começo do ciclo, ficando ansioso de novo. E esse ciclo se repete várias vezes ao dia. Agora tem mais uma variante: papai também se consulta com nosso terapeuta duas vezes por semana. E começou a falar sozinho.

Esses dias sem tio Lu fizeram mal pra todos nós, mas afetou principalmente papai e Lena. A única coisa realmente agradável que essa confusão trouxe foi que agora papai insiste em visitar dona Zuleica todos os dias, e eu e Mari podemos trocar nossos livros e conversar com Esther e Estela sobre nosso vício em comum: as séries Yaoi. Descobrimos por acaso quando mamãe ainda era viva, que existe todo um universo particular pra quem gosta desse tipo de conteúdo, e Esther é realmente viciada. Aos poucos, começamos a ler novels leves, e apenas o que elas permitiram (Estela também gosta, mas é mais sensível ao que podemos ler por causa da nossa idade, então ela supervisiona o que estamos vendo), e ver séries sem hot (as coreanas são as melhores). Não sei quando eu e minha irmã vamos contar pra elas que nós já descobrimos mais do que elas imaginam. Beeeeeem mais.

Então estou profundamente dividida nesse momento. Um dos meus lados está gritando em desespero pra eu shippar meu pai e meu tio, e o outro está me condenando por estar traindo a minha mãe. Quando ela morreu, todos nós nós sentimos morrer um pouco, mas pro meu pai foi pior. Ela foi o amor da vida dele por mais da metade da vida, pois se casaram aos 18, e ficaram casados por 20 anos. Realmente pensei que ele iria logo em seguida atrás dela, e ficamos muito desesperadas de medo que ele desistisse de viver.

Então, pra nossa surpresa, um professor gentil e muito bonito nós adotou, e aos poucos fomos confiando nele mais e mais. Não é como se ele fosse nossa mãe, mas como se ele tivesse conquistado um lugar só pra ele. Não sei se é possível entender sem ter passado por algo assim, mas nós nos conectamos cada vez mais, a ponto de sentir um vazio imenso quando ele foi sem se despedir, e o celular continuou desligado. O medo de perder ele também me fez ter constantes crises de ansiedade, e Mari mal abre a boca esses dias. Ficamos com medo de ter feito algo que o magoou, por isso ele teria nos deixado.

Papai também não tem estado em melhores condições. Foi pescar com meus tios, e tio Fernando mandou ele de volta porque tio Gilberto não aguentava mais ele fazendo perguntas idiotas. Eu não sou burra, sabia que tinha algo errado com ele. Até a vovó percebeu, mas ele não quis contar pra ninguém o que aconteceu. E ficar sabendo que esse tempo todo a culpa não foi nossa fez eu e Mari nos olhar e suspirar de alívio. Ao mesmo tempo, começamos a traçar nosso plano de ação, pra convencer tio Lu a ficar. Enquanto olhavamos meu pai de joelhos, eu e minha irmã, com a conexão típica de gêmeos, nos ajoelhamos e começamos a implorar também. Espero que, ao invés de ficar furioso com a gente, tio Lu ache engraçado e perdoe o que quer que papai tenha feito. Milena contribui ainda mais com nosso desavergonhado show. Se esticando no colo do irmão do tio Lu, ela olhou profundamente nos olhos dele e disse com sua vizinha cristalina:

-Tio Lu, eu quero bolo.

E esse foi o fim do clima tenso da sala. Tenho que admitir. Minha irmãzinha sabe criar uns climão bem monstros, mas também sabe aliviar eles de uma maneira magnífica.

Tio Lu ajudou papai a levantar, e isso me deu esperança de que o que quer que papai tenha feito, foi perdoado. Quase engasguei de surpresa quando papai deu um abraço tão apertado no tio Lu que ele ficou sem ar. Não sei se pela surpresa do abraço, eu se pela força que papai usou. Sinceramente acho que meu pai tá escondendo alguma coisa bem severa da gente. Hora de fazer uma reunião com minhas irmãs. Temos que descobrir o que é. A Fujoshi em mim grita que já sabe, mas eu calo a voz. Afinal, papai é hétero desde sempre, e tio Lu não se parece absolutamente com alguém que não seja "muito macho".

Mas se bem que olhando assim, fariam um belo casal. Ambos têm quase a mesma altura. Papai é descendente de italianos, então tem pele clara, olhos quase verdes e cabelos loiros e é uns poucos centímetros mais baixo, e tio Lu é moreno, olhos e cabelos escuros, uma barba cuidadosamente desleixada e uma aura de dominante. Ai ai. Quando senti o beliscão de Mari, percebi que estava suspirando alto. Eu sou um ser humano horrível, e pelo que vejo nos olhos da minha gêmea, ela também é. Realmente, temos uma reunião de emergência. Depois que tio Marcos quase arrastou o irmão pra irem embora, olhei pro rosto do papai e vi algo que não consegui ver durante todo o período de férias: um puro, verdadeiro e genuíno sorriso. Acho que a Fujoshi em mim não está tão errada afinal de contas...

Era uma vez: um quase conto de FadasWhere stories live. Discover now