CAPÍTULO 15

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LUCIAN

Estou esgotado. Cansado mesmo. Andamos com essas três maluquinhas o dia inteiro, e elas parecem ter uma fonte de energia inesgotável. Tenho até pena do pai delas, que tentou levar elas pra fazer compras sozinho. Foi preciso dois de nós pra conseguir (não muito) segurar o trio imparável. Mas muito mais do que a canseira física, estou emocionalmente exausto. Passei o dia sentindo uma energia diferente vinda do Geovane. Desde a madrugada, quando ainda estávamos no carro, senti uma troca de faíscas. E quase perdi o controle da direção quando vi que ele estava fungando meu travesseiro. Só consegui firmar meus pensamentos novamente quando lembrei que tenho meus três tesouros sentados no banco de trás da caminhonete, e não permito que aconteça algo que possa machucar elas.

Fazer compras foi divertido, mas quando saí do vestiário com a roupa que as meninas escolheram e senti o olhar faminto do homem na minha frente, e voltei correndo pra dentro com a desculpa de me trocar. Na verdade, só queria esconder a prova de que a admiração dele não passou batida por mim. Geovane definitivamente não sabe disfarçar o que pensa. Na hora do almoço, foi outra tortura a parte. Esperei que ele tocasse no assunto, mas ele não o fez, e isso me obrigou a mencionar o que houve. No fim, o rumo foi diferente do que eu havia pensado. Ele não sabia sobre minha sexualidade, e não me beijou pra me obrigar a nada. Mas isso me deixou mais preocupado. Se não foi pelo motivo que eu pensei, então qual era o objetivo ao me beijar? Fiquei aliviado quando as meninas voltaram do banheiro, e eu pude voltar a me dedicar a elas.

Quando percebi que ele estava tentando sem sucesso segurar os hashis, automaticamente peguei um pouco de uma travessa e levei até seus lábios. Não foi intencional, e nem queria provocar. Mas quando ele abriu a boca e levou a língua pra aceitar o que eu ofereci, eu não consegui frear uma imagem extremamente obscena. A imagem dos lábios se fechando, a língua passando na parte inferior na boca... Até mesmo ele mastigando consegue ser sexy. Tentei mudar meu foco, mas não estava surtindo nenhum efeito, e eu sabia que não conseguiria me acalmar estando perto dele. Por estar tão consciente do homem sentado ao meu lado, percebi que ele não estava comendo, e vi a oportunidade perfeita de me afastar um pouco: o restaurante ao lado.

Sorri ao lembrar dos acontecimentos do dia. Agora já é bem tarde, quase dez da noite. Já começamos a ver as luzes da nossa cidade. Pra dizer a verdade, eu não queria que o dia do hoje terminasse. Mas outros dias virão, então dou um beijo na testa de cada mocinha pra me despedir, mas não sei o que fazer com o pai delas, então apenas aceno com a cabeça antes de entrar em casa. Não acho que seja sábio tocar nele no momento.

Quando cheguei, vi que dona Zuleica e Marcos ainda estão na sala, e Esther e Estela estão na cozinha fazendo chá. Sentei no sofá, próximo ao meu irmão, e fiquei surpreso quando dona Zuleica disse que Virgílio, o avô das meninas esteve aqui procurando por mim. Não consigo imaginar o motivo, mas fiquei nervoso de imediato, ansioso pelo motivo da visita. No fim, o que há de ser, será. E eu não tenho nenhum motivo pra ter medo. Mesmo assim meu coração quase parou, quando pensei que ele poderia querer que eu me afastasse das minhas meninas.

No dia seguinte bem cedo eu resolvi fazer uma visita. Não consigo lidar com outra noite sem dormir, a ansiedade me impedindo de descansar. Perguntei a seu Valdir (que agora parece ser uma presença constante na casa) se ele poderia me levar até a casa do senhor Virgílio, e ele concordou. No caminho, a função motorista tagarela (que parece ser a única disponível) foi ativada.

- Pensa num homem gentil. Nunca ouvi ninguém dizer que ele fez uma ruindade com quem quer que seja. Amistoso com qualquer um. Chega a ser ingênuo, de tão bom. Quando Geovane foi pedir a mão da única filha, o rapaz mal tinha saído dos cueiros. Trabalhava na fazenda com o pai dele e fazia faculdade ainda, nem sabia se poderia sustentar uma família. Mas seu Virgílio só perguntou se ele amava ela o bastante pra não fazer ela sofrer. Quando os dois casaram, ele deu o maior pedaço de terra como presente de casamento e ficou com o menor, que fica do lado de cá do córrego. Quando a esposa faleceu, ele se aposentou de vez, mesmo sendo bem jovem. Mas mesmo assim é raro ver ele fora de casa. Agora que eu tô pensando, tá faltando uma semana pra fazer um ano que dona Cátia morreu. Coitado. Perdeu a esposa, a única filha, e agora só tem as netas. Acho que ele morreria e mataria por causa delas...

Era uma vez: um quase conto de FadasOnde histórias criam vida. Descubra agora