Era uma vez: um quase conto de Fadas

CAPÍTULO 20

GEOVANE

Hoje é um dia muito importante. Tomei um banho, fiz a barba, passei perfume e vesti uma roupa que as meninas escolheram, porque acharam que seria mais adequada do que a camisa xadrez e calça jeans que eu escolhi. Agora estou aqui, dentro do meu carro, vestindo calça social, sapatos engraxados, camisa de mangas longas, mesmo com o calor sufocante.

Minha missão? Encarar O MESMO HOMEM pela segunda vez, pra pedir a permissão dele pra namorar um membro de sua família novamente. Mas da primeira vez, embora eu não tivesse nada além do meu amor pra oferecer, eu estava bem menos nervoso. Afinal, quando conversei com o gigantesco homem de barbas vermelhas, já tinha dois anos que eu cortejava a filha dele. Agora vou pedir a permissão pra namorar o sobrinho que ele adotou por afinidade, e é impossível saber qual será a reação.

Mas ficar cozinhando aqui dentro não vai fazer eu concluir minha missão, então alisei os vincos das calças, saí do carro e bati na porta do meu sogro, disposto a encarar um dos homens que eu mais respeito como ser humano. Ele ficou surpreso com minha visita, isso ficou óbvio, afinal eu sempre ligo pra avisar que vou levar as meninas. Depois da troca de amabilidades, resolvi que ir direto ao ponto era a melhor saída, e soltei logo a bomba, ao invés de ir falando aos poucos:

- Seu Virgílio, eu quero pedir a sua permissão pra namorar com seu protegido.

Depois de dizer o que eu queria dizer, quase fechei os olhos esperando a sua sentença. E fiquei bem surpreso quando ele replicou:

- Pensei que só ia vir falar comigo depois que se casassem. Minha nossa Senhora, que lerdeza. A gente tava vendo lá da porteira que tinha romance no ar, e vocês se fazendo de desentendidos.

Terminou a frase com a gargalhada característica, e isso me deixou um pouco confuso, então mesmo grato pela permissão resolvi investigar um pouco mais.

- O senhor não se importa por eu estar querendo namorar outro homem?

- Meu filho, eu já perdi tanto. Não tenho mais meus pais, não tenho irmãos, não tenho minha Sirlene, e agora perdi minha Cátia. Eu só tenho minhas netas. E eu quero o melhor pra elas. E tem que ser muito obtuso pra não ver que aquele rapaz ama elas com tudo que pode. Cátia não pode mais cuidar delas, mas ele vai fazer isso com gosto. Ele pode fazer qualquer coisa por elas. A gente vê de longe. Me desculpe o que eu vou dizer, mas entre você e elas, eu tenho certeza que ele escolhe elas. E isso é o bastante pra mim.

Fiquei com os olhos cheios de água pelo discurso curto e vigoroso que ele proferiu, e a admiração que eu já sentia por ele duplicou de tamanho. Conversamos mais um pouco, e a confusão me tomou quando ele contou uma história da época de jovem dele.

- Algumas pessoas fingem que esqueceram, outras realmente não se importam. Mas a nossa ignorância já matou pessoas aqui na região. Quando eu era molecote, com meus dez ou doze anos, dois rapazes largaram a escola, emprego e tudo pra fugirem daqui. Roberto era filho do prefeito na época, e Alfredo era leiteiro. Quando fugiram, o prefeito revirou o mundo atrás de trazer o filho de volta. Mas o único jeito foi tocaiando eles, e bateram tanto em Alfredo que mataram o coitado. Roberto voltou pra casa dos pais, mas veio meio avoado das idéias. Começou a beber, e menos de mês depois encontraram o corpo dele no lago da cidade.

- Nossa, que pesado. Eu não sabia dessa história.

- A maior parte das pessoas que conhecem, não comentam. Foi uma tristeza grande na época. Os dois eram muito queridos. Alfredo era um rapaz diferenciado. Gentil com todo mundo, e o leite que ele entregava de porta em porta, ele não cobrava dos mais necessitados. Tudo quanto era multirão ele tava lá pra ajudar. Muita gente ficou com vergonha das fofocas, e de ter virado a cara pra eles. Mas muita gente ruim achou que foi melhor, que "limpou os ares da cidade". Até hoje é difícil encontrar um casal assumido por aqui. E quando encontra, eles passam um inferno na terra. A maioria fica só, ou vai embora pra viver a própria vida longe daqui.