CAPÍTULO 06

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GEOVANE

As coisas não saíram como eu queria. A reforma da horta correu maravilhosamente bem, e isso empolgou muito as meninas. Mas também trouxe um rapaz quase desconhecido pra companhia constante delas. Isso me preocupa muito. Não conheço sua família, não sei seus costumes, e nem suas intenções. Mas as meninas se sentem à vontade quando ele está por perto, e isso as distrai um pouco. Então eu continuei convidando ele pra passar as tarde. E algumas coisas foram mudando. E um dia, cheguei em casa e todas as meninas estavam com os cabelos trançados, com flores de tecido aparecendo por cima dos cabelos vermelhos. Começaram a me rodear, empolgadas ao descobrir que o jovem professor sabia fazer penteados nos longos cabelos. Isso me deixou um pouco desconfortável, mas ainda assim, grato por ele estar me ajudando. Ele não parece ter intenções ocultas, então vou apenas continuar vigilante, mas é o melhor que eu posso fazer.

Às vezes, ainda sonho com minha esposa, mas agora já não dói tanto, e me traz apenas saudades. Mas ainda não sei o que fazer com minhas filhas. Meu sogro e minha família tem me ajudado com as obrigações, e eu contratei mais dois funcionários pra me ajudar na lida com o gado e as plantações. Depois de colher a soja, plantamos feijão, e eu tenho me dedicado mais ao solo do que às minhas filhas. À medida que o rapaz vai me demonstrando ser confiável, mais eu me sinto tranquilo por não ter que lidar com algo que eu não tenho nenhuma experiência: ser um pai viúvo.

Até cozinhando pra elas, ele está. E isso me deixa mais confiante de que elas não correm nenhum perigo com ele. Até mesmo eu me sinto bem quando ele está em casa. E pensei que as coisas continuariam assim. Mas Manu entrou em uma briga após a aula, e isso me tirou completamente do meu eixo, já bem desestabilizado. Depois de buscar ela na delegacia, levar ao hospital e confirmar que ela tinha um braço quebrado, liguei pra minha irmã e minha cunhada e pedi por conselhos. Ambas me aconselharam levar as meninas pra uma consulta com o psicólogo, e me indicaram um número. Marquei a consulta, mas só haveria horário pra atender as três ao mesmo tempo, daqui a dezoito dias. Na falta de uma opção melhor, eu aceitei. Como o braço quebrado foi o esquerdo, e Manu é destra, elas continuarão indo pra aula normalmente. Mari tem sido muito firme ao ajudar em tudo, e até mesmo Lena tem feito menos bagunça do que o normal.

Está fazendo muito calor, eu voltei para casa pra pegar água gelada pro pessoal que está trabalhando, mas me surpreendi ao ver Lucian penteando o cabelo da Manu. Uma cena tão meiga, que eu acabei me ocultando em um dos cantos da cozinha, pra poder continuar assistindo. Quando terminou, ele as convidou para sentar à mesa e comer bolo. Eu continuei olhando como que hipnotizado. Quando ele as convidou pra uma conversa, me senti um intruso, mas quero observar, quem sabe eu aprendo alguma coisa, e consigo melhorar meu relacionamento com minhas filhas. Afinal, elas o adoram, e não vai me fazer mal se eu souber seu segredo.

Com o desenvolver da conversa, comecei a chorar. Percebi que deixei minhas filhas quase à deriva. Não sabia o que fazer, e por isso não fiz nada. E ver aquele jovem professor cumprindo com um papel que deveria ser meu, me deixou muito envergonhado. Mas ao mesmo tempo, a admiração que eu já tinha por sua personalidade suave, cresceu ainda mais. Assim que a conversa acabou e eles se abraçaram, senti uma vontade enorme de estar naquele abraço. Mas meus olhos iriam me delatar, então silenciosamente me retirei. É difícil não saber o que fazer, então acabei me apoiando também naquele jovem que parece ser tão mais sábio do que eu.

Quase uma semana se passou, e eu continuei ensaiando o pedido que quero fazer ao rapaz, mas me sinto muito constrangido pra conversar com ele. Hoje ele chegou trazendo um pão que dona Zuleica mandou, e nos sentamos pra merendar. Depois de escutar a conversa da semana passada, tenho me esforçado pra passar mais tempo com elas, e estou levando e buscando na escola. Mas ainda não é o bastante. Então, depois que comemos, pedi pras meninas subirem, e o convidei pra conversar. Reuni toda a coragem que tenho nas células, e fiz o pedido que estou criando coragem há cinco dias:

-Lucian? Você pode, por favor, nos acompanhar a uma consulta com o psicólogo, na próxima semana?

Nunca imaginei que iria ficar com os batimentos cardíacos em suspenso até ele dar sua resposta. Mas como o ser generoso, evoluído e maravilhoso que ele é, respondeu com um sorriso suave:

-É muito bom ver que você tomou essa decisão. E é o caminho mais saudável pra lidar com a perda. Será um prazer acompanhar vocês.

E nesse momento, eu quase me ajoelhei pra agradecer aos deuses por ter colocado esse jovem no nosso caminho.

Pra agradecer por toda a ajuda que ele tem oferecido, convidei ele pra ir ao cinema com a gente, e ele aceitou. Então ajudei elas a se arrumarem, e fiquei intrigado com o motivo de tanta demora, e resolvi ver o que estavam fazendo no quarto. Isso me deixou com uma dúvida: qual a utilidade desse monte de potes coloridos? Elas são jovens, precisam mesmo de tanta maquiagem? Mas aparentemente, aos homens não é permitido ver o processo de arrumação, apenas o resultado final. E acabamos saindo de casa quase em cima do horário. Quando chegamos pra buscar Lucian, fiquei agradavelmente surpreso ao ver que seu Valdir estava conversando com Zuleica na área, enquanto ela segura um buquê de flores delicadas e se parece muito com uma adolescente tímida. Pra não envergonhar ainda mais minha amiga, liguei pra ele e pedi pra descer em silêncio. E quando ele viu o motivo, sorrimos como dois jovens tirando sarro dos colegas que estão namorando.

Foi um filme divertido, e as meninas ficaram muito animadas. Jantamos na praça de alimentação do shopping, e passamos pra deixar Lucian em casa. Percebemos que as flores estavam em um bonito vaso, em um canto de destaque da sala. Trocamos um olhar e um sorriso cúmplice, pois sabemos o que isso significa: temos uma amiga namorando. Quando sentamos na sala pra trocar conversa, Zuleica apresentou uma moça muito bonita, e ela parece particularmente interessada no jovem professor. Não sei porque, mas isso me deixa desconfortável, e um pouco irritado. Mas quem parece extremamente constrangido mesmo, é aquele que recebe as atenções. Parecendo um tanto indelicado, ele dá um beijo na testa das meninas, e se despede de todos apressadamente. Depois disso, ele fugiu e se escondeu no quarto. Quando ele foi embora, quase de imediato a jovem se despediu e também se foi. Zuleica e eu ficamos sós, e ela me questiona se eu quero que ela me apresente alguma boa moça. Aparentemente, um homem viúvo precisa de uma namorada, e meninas adolescentes precisam de uma figura feminina. Pra desviar o assunto, jogo a bola de volta pra ela:

-Só porque você tá namorando, não quer dizer que eu queira uma namorada.

Sei que peguei pesado, mas ver ela corando e torcendo as mãos com timidez me deixa agradavelmente satisfeito. Mas o preço dessa satisfação foi um doloroso puxão de orelha. Me senti um rapazinho de novo, voltei a época em que ela puxava minha orelha sempre que eu falava um palavrão, ou matava aulas pra ir pro clube. Conversamos mais um pouco, e acabei arrancando a história toda:

-Valdir foi meu primeiro namorado, e meu pai fazia muito gosto. Mas a gente não manda no coração. Quando o Escobar apareceu, não teve como, e a gente acabou se apaixonando. Não queria magoar ele, mas Escobar era o amor da minha vida. Agora já tem quase 8 anos que ele morreu, e Valdir está divorciado. Já tem um tempo que ele me pediu em namoro de novo, e hoje eu resolvi aceitar. A vida passa depressa. Amar e ser amado não é ruim.

Mais uma vez, percebi como minha amiga é forte. E admito que sinto um pouco de inveja dela.

A consulta com o psicólogo ocorreu tranquilamente, e o responsável por isso é o rapaz que parece um homem velho e sábio, enquanto apoia a mim e a minha família. Conversamos por quase duas horas, e o psicólogo disse quase as mesmas palavras que eu escutei na cozinha da minha casa naquele dia. Saímos do consultório, e fomos tomar sorvete, e por algum tempo, eu me senti um homem quase inteiro novamente. Não completamente curado, mas como se as partes quebradas não estivessem mais tão afiadas, e aos poucos vão se encaixando novamente. E mais uma vez, isso só é possível graças a esse jovem tão maduro que nos acompanha.

Era uma vez: um quase conto de FadasWhere stories live. Discover now