capítulo 9

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Júlia Mospiert

Já sentados na sala de jantar, começamos a comer em um silêncio extremamente desconfortável e com uma tensão diferente da que estávamos acostumados.

—Você que escolheu o cardápio — Perguntou quebrando aquele silêncio gritante e me encarando sério com a mesma carranca.

—Não — Respondi sem me dar o trabalho de encara-lo.

Subi pro quarto após o jantar tomei um banho me preparando para ir dormir. Quando saí do banheiro com a camisola preta que ia até a metade das coxas e tinha as costas nua, Vinicius entrou no quarto, me olhou, mas não disse nada e eu muito menos.

Ele entrou no banheiro e eu fui arrumar a cama, baixei os cobertores mais grossos e deixei apenas a janela aberta, a brisa estava gostosa e eu tinha acertado quando disse que a vista era linda. Deitei na cama puxando um lençol e me cobrindo.

A porta do banheiro foi aberta e Vinicius atravessou o quarto vindo na mesma direção da cama com a mesma roupa que usava a pouco, mas dava para perceber que ele tomou banho pelo cheiro do sabonete.

—Apaga a luz antes de deitar — Pedi fechando os olhos e assim ele fez. Logo a cama afundou ao meu lado e Vinicius deitou com o rosto na direção de minhas costas.

—Boa noite — Desejou em um sussurro e logo tranquilizou a respiração.

—O que você teve com Amanda — Não pude evitar perguntar mais uma vez, isso estava me incomodando e eu não conseguiria dormir com esse questionamento brigando nas paredes da minha cabeça. O silêncio continuou— Sei que você não está dormindo —Falei virando em sua direção.

—E não estou mesmo, só não quero lhe responder. Não é da sua conta e isso é passado — Continuou com os olhos fechados.

— É assim que você continuar as coisas? Quer passar dois anos sendo tratado como meu inimigo, tudo bem, mas acaba aqui qualquer possibilidade de qualquer coisas entre nós. — Dei a cartada final e me virei ficando em silêncio, pensando bem se não era melhor ir para o quarto de hóspedes.

—Ela trabalha para mim a algum muito tempo e dormimos junto algumas vezes, nada sério. Eu sempre deixei claro que era só isso e nunca tive problemas com ela sobre esse assunto — Ele falou baixinho depois de alguns minutos, eu até pensava que ele estava dormindo.

— Para ela as coisas não estão esclarecidas como estão para você — Falei no mesmo tom — Ela é apaixonada por você e ficou bem claro.

— É difícil para mim confiar nas pessoas — Sua voz demonstrava tanta fragilidade que tive que me conter para não abraça-lo.

— Eu acho que você é uma pessoa boa, não entendo porque se esforça para me tratar com indiferença quando claramente esse não é você.

Não fui capaz de dizer mais nada, só puxei o cobertor até minha cabeça e tentei dormir. Era como se cada vez que eu tentasse me aproximar, ele fizesse questão de me tratar mal para que eu me afastasse. Não era boba, sabia que isso tinha haver com seu passado, na verdade, eu acho que eu era boba sim, porque eu queria mostra-lo que nem todo mundo em que ele confiar vai fazer ele sofrer como a ex fez.

E isso fazia de mim além de boba, burra. Sério, qual outro adjetivo se dava a uma pessoa que estava começando a se interessar pelo marido de mentira? Burra sim.

Pela manhã quando levantei Vinicius já não estava mais na cama, suas malas estavam do lado de fora juntamente com a minha. E eu quis jogá-las na cabeça dele, que mais uma vez decidiu as coisas sem falar comigo. Como eu viveria com uma pessoa que tinha tudo para fazer comigo exatamente o que meus pais faziam?

—Bom dia, menina — Cumprimentou Rose quando eu desci as escadas— Senhor Mospiert pediu para avisa-la que teve que ir até a empresa e que as 10 horas estaria te esperando no aeroporto.

—Bom dia Rose, acordei quase na hora então.— Me dei conta que até meu despertador havia sido desativado — Eu gostaria de um suco de laranja com torrada, por favor. Não costumo tomar café, mas oito horas de voo vão acabar comigo — Disse e fui até a cozinha— Onde eu encontro alguém para descer com nossas malas? — Perguntei lembrando da bagagem lá em cima, pesadas demais para que pudesse carregar.

— Ruan, o motorista estará aqui para leva-la em alguns minutos. Peço que ele pegue as coisas. — Eu agradeci e caminhei até a cozinha para comer antes de me arrumar.

Trinta minutos depois eu estava pronta e entrando no carro. Meu cabelo estava preso, eu não usava maquiagem e preferi usar um único óculos de sol como acessório. Um moletom preto confortável e uma blusa justa canelada eram as peças sobre meu corpo, o moletom fazia parte de um conjunto que eu carregava nos braços para o caso de frio no avião. Nos pés optei por um tênis básico.

—Pensei que não fosse chegar — Vinicius disse abrindo a porta do carro para que pudesse descer e me cumprimentando com um beijo na testa, seu rosto estava calmo e ele parecia de bom humor.

— Por que você não me falou que tinha adiantado a viagem? — Perguntei suspirando. — Eu já te pedi para combinar as coisas comigo antes. Vinicius, meus pais sempre tomaram todas as decisões por mim — Apontei para nós dois— Eu não gosto disso.

— Eu juro que não quis tomar a escolha de você, é que eu achei que iria gostar de viajar antes e descansar depois dessas semanas turbulentas que passamos — Ele explicou tomando uma distância de mim e espirrando — Desculpe, tomei um pouco de chuva essa manhã saindo da empresa.

— Você cuidou da hospedagem também? — Perguntei e ele assentiu espirrando mais uma vez— Acho melhor entrarmos e embarcar. — Pegando nossas malas, entramos no aeroporto.

Alguns minutos depois pegamos a fila no portão de embarque e entramos no avião.

— O que quer fazer durante oito horas de vôo? — Perguntou se acomodando na cadeira ao meu lado— Eu trouxe um livro, se quiser ler.

— Obrigada, mas acho que prefiro dormir — Virei para o lado do corredor e fechei os olhos. De maneira alguma Eu viajaria do lado da janela.

Ele não disse mais nada e assim o silêncio entre nós começou a se tornar um hábito. Dormi durante cinco horas e ainda tem três restantes.
Comecei a ler o tal livro que ele me deu, ele por outro acabou se rendendo ao cansaço e dormiu.

Buenas tardes damas y caballeros. gracias por el vuelo, bienvenido a Madrid. que tengas una gran estadía (Boa noite senhores e senhoras. obrigada pelo voô, bem vindo a Madri. tenham uma otima estadia.)

—Finalmente — Abriu os olhos e se arrumou no assento preparado para o pouso.

[...]

O hotel que Vinicius escolheu ficava localizado no centro de Madri. Fomos muito bem recebidos e preferimos não sair hoje. Eu não estava tão cansada quanto esperava estar, mas Vinicius estava visivelmente abatido. Jantamos no quarto e depois de um bom banho, deitamos na casa incrivelmetente confortável.

— Minha cabeça dói — Ele murmurou deitando fragilizado, coitado. Deveria mesmo ter pego um resfriado.

— Deite-se aqui — Arrumei minha postura na cabeceira da cama e indiquei meu colo para ele colocar a cabeça. — Anda — Disse depois de vê-lo receoso.

— Não sei se ficar tão perto de você vai me fazer bem — Disse com humor e eu sorri começando a massagear seus cabelos, colocando pressão em alguns pontos.

— Como você reagiu quando soube que se casaria comigo? — Perguntei curiosa.

— Eu surtei, mas não por ser você — Explicou e eu assenti, mesmo que ele não pudesse ver o movimento. — Quando meu pai disse que eu teria que me casar para assumir a empresa, eu fiquei muito puto. — Suspirou— Eu me dediquei anos e para provar minha competência tinha que casa? Não fazia sentido.

—Acredite, eu entendo bem. — Comecei pronta para finalmente desabafar com alguém. — Durante anos eu vivi essa vida, a de que as aparências influenciam muito mais que a competência e não é fácil. Por isso me incomoda tanto não ser avisada com antecedência das coisas.

— Sinto muito . —Disse sincero — A primeira vez que eu te vi, você estava chorando escondido. — No susto eu parei os movimentos das mãos e ele reclamou me fazendo voltar — Estávamos em um jantar na casa dos Hiltons e você ficou tão decepcionada por não poder levar seu namoradinho da época, que chorou quando seus pais me apresentaram.

— Como eu não lembrava disso — Murmurei com vergonha— Eu devia ter uns dezoito anos, estava no último ano do colégio.

— Eu já tinha feito vinte e um e fiquei extremamente ofendido pela sua reação — Ele me provocou e eu ri — Não tinha ideia que havia um contrato nos cercando.

— Acho que você ficaria ainda mais decepcionado se soubesse que da segunda vez eu também chorei — Ele levantou a cabeça buscando entender meu tom, mas eu não o estava acusando, só quis ser divertida. — Não se preocupe, somos vítimas.

— O que eu quero fazer com você agora não é nenhum pouco inocente — Eu o encarei, olhei bem nos olhos do homem que eu mal conhecia e deixei que se aproximasse tanto da minha vida.

— Acho que sua dor de cabeça já passou — Segurei sua cabeça colocando no travesseiro e me deitei para dormir — Boa noite, Vinicius.

Era impossível não se assustar com a velocidade que as coisas estavam andando, tudo estava acontecendo muito rápido, nem tive tempo de pensar se era um relacionamento mesmo que eu queria, porque transar com ele e fingir que nada aconteceu, estava fora de cogitação.

Damned SoulsWhere stories live. Discover now