23 - O Mal Vive Assim

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Depois de uma olhadela na direção do indivíduo constatei que não estava nem prestando atenção a nós duas. Agora Tae tinha virado seu novo ouvinte, que no caso parecia até estar gostando da história.
Foi o que me fez cair na real. Então era isso aquela sensação doentia que passava pela minha cabeça desde que Levi começou a conversar com a Mallya a noite. Talvez até toda aquela raiva acumulada... Eu estava com ciúme. Estava óbvio, praticamente no meu nariz, e eu nem percebi.
- Eu tinha até me esquecido que isso existia. - Ri exasperada coçando os olhos num impulso nervoso e ela colocou seu braço direito no meu ombro me puxando para perto, pelo menos o bastante para que estivéssemos cara a cara, as testas tocando uma na outra, e seu perfume adocicado de frutas invadiu meu nariz de uma vez. Estava com saudade dela, do cheiro mais comum que fez parte de quase a minha vida inteira. Sentia tanta falta que tive de me conter quando estava prestes a lhe dar um abraço. Não era hora pra isso.
- Ah Alícia... O que esse cara tá fazendo com você para a deixar desse jeito? Nós nunca nos desentendemos por causa de garoto nenhum na escola, não vai ser agora que vamos começar não é? - Ela me fitou, os olhos cheios de expectativa com uma faísca de desafio e descontentamento passando por suas iris e eu desviei de seu olhar por um instante, acuada.
- Não estamos mais na escola Mallya. - Foi o tempo suficiente de eu terminar de dizer que pude ver alguma coisa atrás dela, a pelo menos um metro de nós se mexer com muita agilidade para trás de uma árvore. As folhas se mexeram e outro pássaro saiu voando e fazendo barulho de cima da mesma árvore onde o que quer que fosse aquilo se escondeu. Não estávamos mais sozinhos na floresta.
- Levi! - Já chamei tirando a Mallya gentilmente da minha frente pelo ombro para sacar a arma e quando mirei, bem na direção do bicho, determinada que aquela coisa, qualquer que fosse, estaria morta em poucos segundos... Foi quando senti alguém me agarrar com força torcendo a minha mão para trás para soltar a arma, que cambaleei para trás e arquejei incrédula.
Era Levi, estava do meu lado antes mesmo que eu tivesse percebido, tinha segurado meu braço, a força bruta do seu corpo foi tanta que quase me derrubou, mesmo que não parecia ter sido intencional, e ele fazia menção com um dedo próximo dos lábios, para indicar que não podíamos fazer barulho. A sobrancelha loira arqueada.
Foi tão instintivo ter sacado a arma quando vi movimento nas árvores que eu tinha me esquecido que ainda haviam gnomos por aí. E que barulho só ia comprometer nossa localização.
- Não nos mate por favor. - Levi inclinou a cabeça, olhando no fundo dos meus olhos, o olhar dourado me perseguindo e deixando encurralada, agora me soltando de seu aperto depois de se referir a fazer silêncio já que isso poderia trazer problemas e eu engoli em seco envergonhada enquanto guardava a arma. Estava distraída demais. Quase matei todo mundo sem querer apenas porque estava ocupada pensando em outra pessoa. Nele...
Levi tirou duas facas da mochila de passeio se afastando de mim, e deu uma para Tae enquanto ia até a parte que estava a coisa, ainda acenando para a Mallya ir junto dele.
Quando dei por mim Tae e a Mallya já estavam juntos, e a Mallya que até então não havia falado mais nada também portava uma de suas facas de prata. Todos indo para onde tinha surgido aquele primeiro sinal de vida depois de tanto silêncio por parte da floresta.
Levi deu duas voltas onde estava a árvore que eu havia visto movimentação. A Mallya estava meticulosamente observando os galhos pro alto tentando verificar se o que quer que fosse poderia ter escalado lá pra cima, e Tae deu uma pequena sondada enquanto eu permanecia aqui. Com os pés meio afundados em folhas secas e amarelas. Engolindo em seco tentando descobrir se Levi, pela expressão que ele estava fazendo enquanto procurava focado, que bem no fim durante a minha conversa com a Mallya talvez estivesse mais perto do que eu esperava e pudesse ter escudado algo... Será? Mas ele parecia tão longe pra ter ouvido alguma coisa...!
- Você me acha bonita? - Congelei na mesma hora. O rosto enrijecendo e cada músculo do meu corpo ficando tenso de uma só vez. Aquela voz não era de nenhuma das pessoas queridas que eu queria que fosse. Era a voz mais esgarniçada e pesarosa que eu já podia ter escutado.
- Não se mexe Alícia! - Para minha surpresa, quem gritou isso foi Tae, o que não impediu da coisa atrás de mim repetir outra vez as mesmas palavras.
- Você me acha bonita? - A voz pesarosa se arrastando como se fosse uma sequência de rádio com instabilidade de frequência.
Quando os demais se viraram além de Tae que havia percebido primeiro, olhando diretamente pra mim e ligo em seguida para o que estava atrás de mim, a Mallya não perdeu tempo e lançou uma faca, e a lâmina certeira passou zunindo pelo meu ouvido.
Por um instante a minha visão escureceu e eu achei que ela tinha errado e acertado minha cabeça. Mas eu estava ofegante demais para quem estava morta.
- Vo-vo-você... me-me a-acha... Vo-você me acha...- A voz engasgou no meio da frase e eu senti algumas gotas de sangue no pescoço, a ponta da minha orelha parecia estar pegando fogo. E então eu olhei para trás vendo fumaça branca se misturando com um nevoeiro sinistro que surgiu do nada, enquanto o rosto da mulher pálida e mascarada sumia no meio das nuvens de umidade, com uma faca cravada no meio da testa, a faca da Mallya, que caiu no meio das folhas assim que ela desapareceu. Deixando-nos a sós com sua risada macabra repercutindo pelos arredores da floresta.

- Jackson on-

- Elas declararam guerra? - Valentin riu histericamente pondo as mãos sobre o abdômen enquanto os olhos fechavam de tanto contrair num sorriso contínuo.
- Sim meu Senhor. - A criaturinha verde imunda repetiu como um papagaio obediente e eu fechei o punho. Estava com a palma formigando para sentar um tapa na face do bicho. Era pra ele se dirigir a mim, e o insolente tinha a audácia de se virar para o Rei dos Elfos sem nem me consultar!
- Não Jackson, por favor não maltrate meus servos. - Valentin veio na minha direção afrouxando os meus punhos e então me olhou de cima abaixo. - Veja como está magro, não tem comido ultimamente, an? - Ele deu um coque na minha testa e voltou a se sentar no meu trono, observando a legião das minhas criaturas espalhadas pelo salão com um sorriso satisfatório no rosto, enquanto um novo bichinho também surgia. Arak tinha acabado de chegar da colheita, arrastando a porta pesada de mármore para fechar a delegacia. Depois teria que interroga-lo para descobrir porque estava tão disperso. Provavelmente estava trepando com alguma duende feiosa. Não podia deixar que se repetisse, distraído ou não, ele tinha hora pra voltar pra delegacia. Alguém tinha que servir de encosto para os meus pés no final da tarde até o meu pufe de pés de marfim ficar pronto. Estava ficando cansado das proezas dos últimos dias.

Prison IVWhere stories live. Discover now