39 - Um Dia De Cada Vez

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- Alícia on-

  - Tem algo de errado? - A pergunta que eu estava evitando, meus pensamentos começaram a ficar ainda mais perturbados a medida que Levi começava a mudar de marcha, não precisava alterar muito, a terceira estava mais do que suficiente para a lerdeza com que o mesmo dirigia, mas lá no fundo, a velocidade em que estávamos naquele momento era a minha menor preocupação.
  Eu queria Suguinha, ele podia não ser o Mark, mas ia ser capaz de me contentar.
  Não sei porque queria Mark por perto também, até poucos dias estava com tanto ódio dele que era capaz de mata-lo com as próprias mãos. Era como a nossa conexão ainda existisse. O fato dele estar longe... Os pesadelos persistentes... Parecia que tinha voltado todas as sensações de uma vez.
  - Alícia? - Levi me chamou e eu saí do devaneio, me concentrando na pista nebulosa pouco a frente, tinha até esquecido o que ele tinha perguntado antes, sobre o que era mesmo?
  - O que você... O que você perguntou Levi, eu estava meio longe... - Comentei coçando os olhos num impulso nervoso e Levi apoiou a ponta do indicador na minha coxa como se estivesse me chamando para um bom papo. Eu achava tão meigo o jeitinho dele de conversar. Tinha que tocar nas pessoas antes de dizer alguma coisa.
  - O que tem nessa sua cabecinha que está deixando você assim? Foi o limbo? - Ele indagou e tirou a mão da minha coxa, deixando uma sensação formigando em cima da pele onde ele havia tocado com aqueles dedos gelados.
  - Helltown... O que aconteceu com a cidade dá medo. - Menti descaradamente, não ia compartilhar da minha indecisão de Mark com ele. Tinha uma linha tênue na minha cabeça gritando que eu deveria separar esses tipos de assuntos, mas quando terminei de dizer, como se estivesse sentindo a mentira no ar. O céu irrompeu num clarão e o barulho se manifestou, cortando o céu com um raio enquanto trovoadas infernais bradavam ao redor daquele carro. Por um instante me senti tão pequena no meio daquela tempestade.
  Estava aumentando, e parar o carro naquele trecho da floresta maldita estava sendo extremamente perigoso somente cogitar a ideia. Ainda mais agora que estávamos chegando perto demais do que parecia ser uma cidade, ou alguma outra coisa. Tinham várias luzes pouco a nossa frente, com postes e luminárias, como se fosse uma cidade mesmo.
  - As rainhas vão consertar isso, afinal nem todo mundo está morto, se formos rápidos em derrubar o Jackson e o meu irmão, dá pra salvar mais de 90 por cento da população da vila.
  - É, pois é, pena que uns dez por cento já morreram a essa altura, tem muita gente envolvida nesses dez por cento. - Comentei, pensando na Mallya de novo. Dez por cento é a quantia que um serial killer podia matar naquela cidade, e então eu e ela poderíamos caça-lo, como cães e gato.
  Dei uma espiadela para trás para conferir, a Mallya estava desacordada, e Tae no mesmo ritmo, tão exaustos que dormiram um no colo do outro. Agora estávamos passando na frente de onde as luzes estavam acesas. Não tinha cidade nenhuma ali.
  - Eu queria poder ficar com a Mallya, ter ela na minha vida mais um pouco, eu sei como vai ser depois que a cidade estiver em paz e não tiver mais perigo de verdade para caçar.
  - Como assim gatinha? Sempre vai haver perigo de verdade. - Levi tirou os olhos da estrada por um momento e olhou nos meus olhos, eu senti até a espinha esfriar, e então ele voltou os olhos para a pista novamente abrindo um sorrisinho - Acha que ela vai parar de ter sua amizade depois que tudo voltar ao normal? - Ele perguntou, ainda dirigindo com apenas uma das mãos no volante enquanto a outra passeava do câmbio para sua coxa de vez em quando. Os músculos se flexionavam a cada momento que ele fazia alguma coisa. Era tão bonito de ver, olhar aqueles olhos concentrados e todo aquele foco na pista, a responsabilidade das nossas vidas, pelo menos naquele momento estava bem nas mãos dele. Começou a tocar run do BTS no rádio, e eu bocejei, fitando Levi mais um pouco antes dele encarar meus olhos em busca de uma resposta e eu desviar o olhar dos seus músculos de novo.
  - E-eu não sei. - Gaguejei tentando voltar ao ritmo e Levi abriu aquele sorriso cretino dele, passando a mão de novo, somente pelas pontas dos dedos na minha coxa. A mão estava ainda mais fria do que os dedos.
  - O problema é que ela não vai querer continuar a investigar depois? Você tem medo que isso separe vocês? - Indagou ele certeiro e eu segurei minha vontade de colocar minha mão sobre a sua, ele não era disso. De andar de mãos entrelaçadas, quem dirá dentro de um carro com mais gente pra olhar. Suspirei e olhei pela janela do outro lado.
  As árvores estavam passando depressa, e a neblina não deixava que víssemos muita coisa, era muita chuva pesada caindo em cima da gente naquele momento, mas eu ainda consegui avistar algo que chegou a arrepiar até os ossos. O carro estava cruzando um parque, literalmente passando pelo meio dele, enquanto do lado direito onde eu estava tinham um escorregador gigante no meio de um pátio, balanços que se mexiam sozinhos, batendo com força no metal das laterais por causa da vastidão de chuva sem fim. E do lado esquerdo, das mesmas cores azul e amarelo tinham um gira gira rodando feito louco, uma caixa de areia que agora com toda aquela água suja parecia até uma piscina e uma fileira única com quatro gangorras amarelas e vermelhas. Todos os brinquedos se mexiam em disparate, e o que todos tinham em comum é que estava sozinhos.
  - Acertou em cheio. Sou egoísta demais para deixar ela sair dessa. Sou capaz até mesmo de... - Parei por um instante, mais uma vez estava pensando com o coração e não com a cabeça. Não era bom falar aquilo, admitir tudo em voz alta, era um caminho sem volta, e eu sabia disso, se a Mallya ouvisse, isso poderia comprometer toda a nossa relação de anos. Dei uma espiada outra vez na Mallya, estava apagada ao lado do anjo e então cocei os olhos antes de completar a minha frase - As vezes acho que sou capaz de inventar casos, falsificar provas, ou até mesmo me tornar uma assassina apenas por mais uma chance de investigar. Só pra poder segurar a Mallya mais um pouco nesse mundo, só o suficiente, só mais um caso, só mais um serial killer...
  Nesse momento, como Levi era puritano eu estava esperando que ele fosse me dizer que era errado pensar assim, que se eu me importasse com a felicidade dela e com o bem estar como eu sempre dizia a deixaria partir, mas isso não aconteceu.
  O carro ficou em silêncio e Levi me olhou de soslaio, tinha alguma coisa pouco a nossa frente. Respirei fundo e quando um clarão cortou o céu, um raio caiu poucos metros a nossa frente, Levi virou o volante depressa desviando do clarão repentino, os pneus escorregaram e Levi xingou alguma coisa, não deu pra ouvir, mas o clarão que causou aquele estrondo e balançou as estruturas do carro foi suficiente para que eu visse que tinha alguém na estrada.

Prison IVWhere stories live. Discover now