38 - Cicatrizes

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  - Vai ficar com uma linda cicatriz no meio do peito, assim como a minha. - Levi comentou me mostrando com o dedo indicador sobre a camisa ensopada, onde devia ter alguma cicatriz, na qual eu não me recordava de ter visto, e já tinha visto aquele lugar diversas vezes para me lembrar do que tinha nele, onde jazia um abdômen sarado sempre tinha uma história, e a dessa cicatriz era completamente desconhecida para mim. Eu cruzei os braços para esconder os meus seios, com cuidado o bastante para não forçar os pontos recém formados enquanto ponderava sobre isto. Acho que todo mundo já tinha visto eles demais por hoje. Mesmo assim fiquei intrigada em saber quem tinha feito aquilo nele, aquele corte que ele alegava ter no peito.
  - Ah que gracinha. - Dei risada um pouco fraca, me sentando no chão cautelosamente com a ajuda de Tae, que até então parecia todo preocupado, já conseguia sentir a estranheza tomando minha mente.
  Enquanto mais um raio caia longe, a chuva estava inundando o chão e se misturando com barro e o que sobrou do meu sangue, e então fitei a Mallya, não sabia o quanto estava aliviada e ansiosa. O péssimo pesadelo que eu tive estava tão fresco na minha cabeça que chegava a latejar, como se fossem palavras. Afinal não era a primeira vez que eu estive quase morta. Estar no limbo pela segunda vez era quase familiar se não fosse pela parte assustadora.
  Eu me sentia zonza e cansada quando dei as mãos pra Mallya me auxiliar a levantar, mas Levi, que tinha acabado de costurar mais da metade do meu peito me pegou no colo, mal deixou eu tocar o chão, alegando que eu estouraria os pontos tentando andar, não murmurei e nem questionei, ficar pertino dele, do seu peito sarado e daquele cheirinho de banho tomado mesmo que fizesse um tempo já que ele não tomava banho, era reconfortante até. Eu queria me sentir segura, estava com medo, o corpo todo tremia só de lembrar daquele monstro em cima de mim com a pata cheia de garras atravessada no meu corpo. Estava muito cansada. Como se tivesse corrido uma maratona e não tivesse comido nada a pelo menos três dias. Pela primeira vez depois de tanto tempo Levi não pareceu ter sido suficiente para aplacar meu temor e eu senti falta de Mark. Por mais monstruoso que a alma podre dele fosse, eu me sentia segura de verdade do lado dele. A obsessão doentia dele me deixava segura. E eu não tinha medo que se ele se transformasse seria ainda mais forte do que o monstro que quase me matou a pouco.
  - Vem gatinha, vamos para a estrada de novo. - Levi comentou roçando seu nariz no meu de leve, enquanto me tirava do meu devaneio e eu me esforcei para afastar Mark dos pensamentos. Estávamos ensopados com a chuva e mesmo assim eles se mantinham alegres, todos eles, e até mesmo o Tae, que parecia até aliviado por mim. Acho que era arrependimento, não adianta esconder, Tae não tem um coração tão ruim, ele é um anjo, a possibilidade de eu morrer mesmo só porque ele desejou algumas vezes o fazia sentir culpa. Estava na cara dela que era culpa. Ele se sentia culpado por ter agido como um babaca, mas eu não tirava sua razão, se fosse qualquer outro ali, eu tinha deixado o gnomo passar e teria fugido pra buscar ajuda, apenas pra poder me livrar da dor e passar ela pro próximo coitado. Era cruel, mas era verdade, e tanto Tae quanto eu sabíamos disso.
  Sem muita conversa todos fomos pro carro, a Mallya não saia de perto de mim e o duende foi largado para trás, para ser comido pelos outros bichos da floresta maldita.
  Já no carro, Levi colocou um pendrive no rádio, não sei quem escolheu as músicas, mas estava torcendo fortemente para que a banda lá dentro fosse BTS. Estava com saudade daquelas vozes.
  E era. Por um instante me senti aliviada, era como se o universo tivesse sorrido pra mim pelo menos uma vez depois de tanto tempo. E enquanto uma mistura de hits dos melhores do BTS e Black pink tocavam em disparate eu pesquei um lenço macio na minha bolsa e enrolei no pescoço, frouxo o bastante para não me enforcar, mas justo o suficiente para estancar o sangue que pingava da minha jugular. Eu tinha duas certezas quando entrei naquele carro, foi o Jung Up quem havia montado a lista de músicas e a minha outra era que quem me mordeu depois do chupa-cabra, com certeza foi a Mallya. Não sei porquê, mas eu reconhecia a sensação de ter sido perfurada pelos dentes dela.
  Fiquei no banco da frente, sentada como uma boa menina, e Mallya e Tae se deitaram no colo um do outro no banco de trás como duas crianças viajando. Levi como todos já imaginavam assumiu o volante, mas não antes de ir até o arbusto alegando sua necessidade urgente de usar o banheiro. Ou a moita no caso. Era a primeira vez que eu o veria dirigir. E não sei porque, aquilo me provocou.
  Eu estava toda ferrada cheia de pontos, e mesmo assim queria aquele homem, queria que ele me tocasse, que ficasse... E que nunca mais fosse pra sua terra, mas que ficasse ao meu lado, comigo, investigando comigo, eu sabia que depois que tudo voltasse ao normal, se é que ainda isso é possível, a Mallya provavelmente me abandonaria, a nossa amizade ia enfraquecer com o passar dos anos, e a gente envelheceria o bastante para não querer mais ir atrás de perigo por apenas satisfação. Haveriam filhos e coisas mais preciosas para guardar as vidas.
  Mas eu não consigo mudar, estou sempre girando em círculos, no mesmo problema, no mesmo caso e no mesmo assassino. Eu não quero que isso acabe. Que Deus tenha misericórdia de nós porque eu não sei como viveria sem serial killers na cidade pra caçar. Sinto muito pelas almas que se vão, mas eu não consigo, é quase como uma droga, eu simplesmente não consigo parar de investigar. E queria que Levi fizesse parte dessa vida. Mesmo sabendo que o rapaz estava com a vida feita e não ia querer se envolver com isso.

Prison IVWhere stories live. Discover now