28 - Mãe

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- Alícia on-

  "Não para por favor!"
  Pedi enquanto dava tudo de mim, as patas batiam com força no chão enquanto as de trás impulsionavam para dar mais agilidade. Estava quase alcançando Levi, ele estava pouco a frente, correndo em disparada pelo corredor de Pinheiros que estávamos, faltava tão pouco para alcançar aquele cervo, e mais um pouco teríamos uma janta maravilhosa pra levar pro acampamento. Não que eu fosse fã de comer carne de cervo, isso parecia errado de alguma maneira, mas a ideia de cercar ele e deixa-lo tão assustado enquanto rasgavamos ele com os dentes pareciam excitante demais para simplesmente pararmos.
  Corri mais rápido, eu ia chegar primeiro, custe o que custar. Tinha alcançado Levi e estava do outro lado do cervo, o pobre bichinho disparava a todo vapor, mas ele estava bem no nosso meio. E nós dois sabíamos que ele não tinha mais escapatória.
  Eu podia sentir as gotas de suor se acumulando no peitoril do cervo, a agilidade que ele corria e o sangue e coração bombeando depressa em suas veias. Dava pra sentir pelas minhas patas no chão, pelo cheiro... Ele estava tão perto.
  A adrenalina que estava pulsando pelo meu peito e vibrando pela minha garganta estavam me deixando com água na boca.
  Aquele cervo seria meu!
  "Não faz essa cara, você sabe que vai ter que dividir!"
  Levi riu olhando pra mim e eu mostrei os dentes pra ele, rosnando. Isso nos tirou do foco por tempo suficiente do cervo parar de correr, nos fazendo de bobos já que nós tínhamos continuado e então ele começou a bater as patinhas ligeiras na direção oposta. O que fez eu e Levi nos separarmos e irmos de novo atrás do prêmio. Agora depois de ter sido tapeados pelo animal trapaceiro.
  E mais uma vez estávamos quase alcançando ele quando de repente eu escorreguei. As patas da frente tombaram e eu saí rolando pela grama engolindo terra e caindo bem rápido enquanto rolava ribanceira abaixo num emaranhado de pelos, terra e o que parecia ser minhas patas acertando meu focinho sem nenhum pingo de gentileza.
  Levi não perdeu tempo e avançou, agarrando a cabeça do cervo com apenas uma bocada. Foi o bastante para mata-lo. O pobre coitado tombou para frente sem ter tempo de gritar e começou a espirrar sangue por onde caia enquanto Levi esmagava sua cabeça com a mandíbula e cuspia fora logo em seguida. Assim que a cabeça do bicho despencou de sua boca rolando pelo chão com os olhos esbugalhados ele o largou no mesmo lugar, vindo ao meu encontro.
  " A intenção era derrubar a presa e não você!"
  Ele começou a rir em disparate e eu rosnei pra ele, tentando me levantar, o focinho estava levemente dolorido pela pancada, o que não durou muito porquê pouco tempo depois já tínhamos abandonado a grama e os tombos para nos reunir para a janta.
  Após um tempo, estávamos os dois deitados perto de onde o cervo havia caído. Eu estava comendo uma coxa ensanguentada enquanto Levi, agora que havia retornado a sua forma humana estava deitado todo sorridente em cima da minha barriga peluda.
  "Quantas vezes vou ter que te dizer que quando estou transformada não sou um travesseiro pra você"
  Rosnei pra ele e Levi deu umas batidinhas no meu traseiro como se eu fosse um cachorrinho gordo que cresceu demais.
  - Sussega, você está macia igual. - Ele suspirou pondo as mãos atrás da cabeça e pude sentir seus dedos gelados contra os pelos. Porque será que ele estava tão gelado, será que estava com frio?
  Me aninhei mais perto dele, se fosse o caso meu pelos o aqueceriam em breve.
  - Ainda consigo te ouvir gatinha. - Ele riu e eu olhei feio pra ele. Voltando a dar atenção para a minha comida. - Sabe gatinha, - Ele voltou a falar, me tirando do meu foco para prestar atenção em seu devaneio, e enquanto seu sorriso brincava naqueles lábios ele olhava dentro dos meus olhos - Eu gostei dos seus amiguinhos, até mesmo do anjo, posso entender porque ele te bateu lá naquele salvamento, não que justifique as atitudes dele. - Ele fez um aspas com as mãos quando disse "atitude", e então continuou - Eles são pessoas boas, só se preocupam com o bem estar um dos outros, isso não é ruim, é bom. E a Mallya gosta muito de você. Ela cuida de você com o mesmo afinco que a minha mãe cuidava de mim quando eu era pequeno e tem a mesma bondade que a minha mãe tinha. Um coração grande o bastante para caber monstros como eu. Ou como você. Elas entendem que não somos maus de verdade. E eu sinto falta dela todos os dias, do sorriso dela, e da voz, ela nunca me olhou com medo sabe, sempre soube quem eu era. E as vezes me dói demais lembrar, porquê lá no fundo são tantas memórias, e eu relembro porque tenho medo de esquecer quem ela foi um dia, mas não consigo passar mais que alguns minutos falando dela sem sentir a vontade de chorar me atropelar feito um caminhão.
  "O povo da sua terra encantada de ogros achava que você era mau?"
  Perguntei, era tudo que eu conseguia perguntar, sentia uma pontada de culpa por saber que eu tinha medo dele quando estava transformado, e sabia que dar barda para os comentários dele também significaria uma longa história de sua terra de ogros, mas pra minha surpresa ele não respondeu. Os olhos começaram a se encher de água e ele virou o rosto, tentando esconder que as lágrimas estavam vindo. Aquilo partiu meu coração em pedaços, Ah como eu queria ter o dom do Mark que trazer os mortos de volta a vida para recuperar a mãe de Levi.
  O mesmo ficou parado pensativo por uns instantes antes de decidir se dizia alguma coisa ou não depois da minha pergunta sobre sua terra, e pelo visto seu lado que queria conversar ganhou.
  - Na verdade eles gostam de mim. Quem não gosta são aqueles que tem o mesmo sangue que eu tenho. Ele nunca gostou. - Disse enfim e soltou uma suspiro entrecortado, soltando uma pequena fumaça branca pelo nariz e pela boca, que fez eu notar que um breve nevoeiro havia começado a se infiltrar na nossa conversa sem que tivéssemos percebido, ao nosso redor subia uma pequena nuvem espessa que estava se alastrando pelo bosque. Nem tínhamos notado, mas até a temperatura tinha caído na última meia hora, acho que o único que percebeu foi Levi já que estava gelado feito uma pedra - Está ficando mais frio, vamos, está ficando perigoso ficar longe do acampamento a essa hora. - Ele se manifestou desconversando a leve menção sobre o irmão e então começou a se levantar. Ficando de pé na minha frente todo pelado enquanto se moldava de novo para se transformar.

  A volta pro acampamento foi tranquila, mal me deparei com Tae e Mallya que quando chegamos estavam dormindo apagados nas barracas, Levi escondeu o que restou do cervo para o nosso café da manhã e então fomos dormir também, mas como já era de se esperar Levi ficou acordado, com a promessa de que ficaria apenas algumas horas de vigia e depois iríamos trocar para ele descansar. Eu nem ia me iludir, ele nunca me chamava. Varava a noite sozinho como sempre.
  Quando fui dormir aquela noite meu corpo estava em frangalhos, desistindo de qualquer coisa, mas minha mente não conseguia desligar, pensando em Levi. Sobre quem ele era.
  O que me fez chegar a uma conclusão enquanto pegava no sono, ele era o tipo de pessoa que tinha aquele coração gigante, que te fazia querer dar o mundo pra ele, até mesmo ressuscitar os mortos por isso. E quando você olha dentro daqueles olhos dourados, você se perde de um jeito que é capaz de qualquer coisa. E eu tinha medo do que eu podia ser capaz de fazer por ele.

Prison IVWhere stories live. Discover now