46 - Porém a Verdade

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- Alícia on-

  " Em dois meses a lua de sangue vai se partir no céu, e com ela, a vida de vocês também vai ser tomada de volta."
  Suspirei alto, me lembrando ferozmente da voz da mãe de Mark na cabeça, o desdém e a insensatez visíveis naquele sotaque estranho, e antes que pudesse completar um devaneio escutei o estalar de madeira perto, eu já estava sentindo como se estivesse sendo observada a horas, será que tinha alguém no jardim de tulipas? Se aproximando, ou espiando no mato, o que quer que fosse não tive o desprazer de descobrir. O que era eu não tive certeza, mas a figura que se aproximava do outro lado da praça do jardim parecia estar mais disposta do que eu. Levantei do banco, observando dentro do coreto repleto de trepadeiras nos quatro pilares de sustentação, e fitei em volta, os ornamentos delicados e florais em volta de cada acabamento de concreto. E enquanto ia até a beirada dar uma olhada, apoiando nas paredes azuis, pude ver Levi vindo do outro lado das escadas, tão albinas pela tinta que pareciam até estarem cheias de neve, mas o motivo do estalido no meio do mato não encontrei, podia muito bem ter sido ele se aproximando, mas algo em meus sentidos alarmaram minha intuição de que não era ele quem tinha feito o barulho. Não tinha nada no meio das flores. Mesmo assim, a única pessoa fazendo barulho enquanto aparecia era Levi.
  - Porquê não foi jantar gatinha? - O tom suave da voz grave me fez estremecer, tinha algo de errado com esse Levi. Se é que era mesmo o Levi. O gosto amargo do choro no carro passou pela minha boca, junto com a lembrança do cano frio da minha própria arma na minha têmpora. Não consegui conter o impulso a tempo e coloquei a mão na maçã do rosto, não precisava olhar muito para saber que estava roxa. Agora a mesma arma que causou aquele ferimento jazia bem quietinha na minha cintura outra vez. Mamãe tinha uma regra clara, não queria ver armas dentro de casa, eu entendia e respeitava completamente, ela não veria minha arma, então não teria porquê brigar comigo se não soubesse que eu estava com uma.
  Também, ainda não entendia como funcionava aquela fase de regenerar as feridas do corpo, era tão estranho que umas manchas cicatrizaram mais rápidas do que outras.
  - Não estou com fome. - Me virei novamente e fui sentar no banco, me sentia tão distante do mundo naquele coreto, como se fosse um pequeno refúgio, e agora toda a calmaria que eu estava sentindo enquanto olhava de longe o pôr do sol no horizonte foi se esvaindo com a presença dele ali.
  Cretino! As veias começaram a saltar no meu pescoço e sem perceber eu já estava cerrando os punhos. Irritada. Se eu não estivesse com tanta dor na estrada daquela maneira não teria virado o volante, foi a deixa que ele precisava para me desarmar e causar todo aquele horror tenso nas últimas 18 horas de estrada.
  - Eu vim pedir desculpas. Não precisa ter acontecido tudo o que houve... - Ele disse, como se pudesse ler meus pensamentos, enquanto estava tentando puxar assunto e matava o meu precioso silêncio aos poucos e eu o observei passar a entrada do coreto, pisando nos azulejos cristalinos cheios da imaculada brancura, e andar na minha direção. Parecia até um príncipe com todos aqueles músculos e o cabelo loiro. Mesmo assim, havia receio até na sua forma de andar. Levi não era assim. Estava obcecada demais e sabia disso, eu tinha me tornado possessiva outra vez, o suficiente para reconhecer que aquele ali, poderia ter as mesmas feições que o original, mas não era quem dizia ser.
  E eu já tinha quase certeza de que era com Mark com quem eu estava falando e não Levi. Levi não teria me machucado nenhuma vez, agora Mark... Mark era astuto e ardiloso o bastante para tal.
  Esperei ele se aproximar um pouco mais, e então me virei para ele para confronta-lo, buscando algum arrependimento genuíno naqueles olhos dourados já que pedia desculpas, mas o máximo que encontrei foi frieza. Uma frieza doentia e obsessiva. Eu tinha quase certeza, não era Levi.
  Eles deviam ter trocado de lugar em algum momento da viagem e eu não percebi, o problema foi, quando fizeram isso? Será que eu cheguei a transar com Mark na clareira do lago? Ou era Levi mesmo? Essa não. Com quem foi que eu transei?
  - Sabe Mark, - Comecei a chamá-lo pelo próprio nome, eu sabia que não estava dando um tiro no escuro, afinal Levi estava estranho demais para ser ele mesmo - Você realmente me enganou por um tempo, mas agora eu tenho absoluta certeza que é você pairando por aí no corpo de outra pessoa.
  - Do que você está falando gatinha? - Ele se fez de desentendido e eu virei a cabeça levemente para rir, de frente para ele, um sorriso sínico estava estampado no meu rosto assim como no dele.
  - Não precisa se fazer de desentendido Mark, eu sei que vocês trocaram de lugar, eu só não sei exatamente quando trocaram, e não ligo que não quer que eu saiba, eu provo pra você. - E então o tapa alçou vôo até a face do homem, e na mesma hora suas feições se desmancharam, deu uma pontada de satisfação na ponta do meu estômago quando o sorrisinho desmanchou da boca dele e o rosto virou pro lado com o impacto. Incrédulo mais uma vez. Como se alguém tivesse lhe jogado um balde de água fria, e então os cabelos mudaram para vermelho e ele surgiu diante dos meus olhos, na mais perfeita aparência cruel de Mark.
  Eu podia sentir a quentura da minha própria mão no rosto, queimando os dedos selados na pele. Não sei como também, mas até a conexão tinha voltado.

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