Capítulo 26-O pesadelo era o descanso do desespero.

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DANDARA SCHILLER

— O exame genético da Sra. Cox confirma a presença de células anômalas, que indicam que ela é portadora da doença. Mas não há qualquer indício de tumores. — Blair entra na sala do Dr. Fremont com os papéis nas mãos.— É o tipo 2 de neurofibromatose.
— Sim, Joshua herdou a mesma mutação. Mas ele não teve a sorte da mãe. Ele tem schwannomas vestibulares bilaterais, meningiomas intracranianos múltiplos, um tumor na espinha e apresenta evolução para neuropatia. — Dr. Fremont diz isso com um peso enorme na voz.

A sala fica em silêncio. Todos sabemos a complexidade do caso de Joshua. Minha mente passava e repassava a imagem daqueles lindos olhinhos e eu sentia vontade de chorar quando pensava em tudo que ele iria passar e as sequelas que ficariam. Mesmo com o tratamento, ele tinha chances altas de perder parte ou totalmente a audição de ambos ouvidos. O tumor na espinha se não diminuído provavelmente o deixaria sem os movimentos das pernas em alguns meses. E para removê-los, seria necessário cirurgias delicadas e muito invasivas. Os riscos eram altos demais.

— Os meningiomas apresenta crescimento acelerado pois de forma alguma eles estiveram visíveis na última tomografia. — Blair comenta.
— Será necessário intervenção cirúrgica. Eu vou querer o teste molécular de Joshua para a mutação NF2.
— Eu posso cuidar disso. — Charles diz
— Certo. Quem está no plantão essa noite?
— Eu —Digo.
— Ok. Dra. Blair, informe a equipe de neorocirugia sobre o caso. Dra. Schiller, me acompanhe.

Sem mais nenhuma palavra, Dr. Fremont sai da sala e eu o acompanho. Vamos até o quarto de Joshua. Enquanto o Dr. Fremont conversa com os pais, eu me aproximo da cama do menino.

— Ei, doutora Dan —Diz ele, com os olhos fechados.
— Como você sabia que era eu? —Pergunto.
— Você tem um cheiro bom, de morangos. É fácil identificar.

Eu sorrio.

— Garoto inteligente, por essa razão pertence a casa corvinal. Mas você não deveria estar acordado, teve um dia longo e cansativo.
— Mas e a maratona...
— Descanse, Joshua. Regra número um. A maratona pode ficar para amanhã, prometo.
— Tudo bem. —Ele suspira.

Eu ainda fico ao seu lado por alguns segundos. Quando recuo para fora do quarto eu encontro os seus pais conversando com o Dr. Fremont.

— Exatamente, está tudo bem com a senhora. Não foi identificado indícios de tumores. O que acontece é que foram encontradas algumas células anômalas, elas indicam que você é portadora da doença. Mas isso não significa que irá desenvolver algo ou quando irá desenvolver.
— E nosso filho? — O casal perguntou.

Era notável que eles estavam tentando manter as esperanças, mas por
dentro estavam enlouquecendo. E infelizmente a resposta irá trazer mais desespero à esses pais.

— Como supúnhamos, Joshua tem neurofibromatose. Encontramos alguns pequenos tumores nos canais auditivos, nas membranas que envolvem o cérebro e um com crescimento acelerado na espinha — Dr. Fremont fez uma pausa para uma respiração profunda— São pequenos, mas agressivos. Já estão prejudicando funções importantes como equilíbrio, audição e concentração, como vocês bem sabem.

A mãe para em um som de um suspiro ferido, e os olhos lutando contra as lágrimas.

— Precisa de cirurgia?
— Para os tumores nas membranas que envolvem o cérebro a cirurgia é o tratamento mais comum e o mais indicado levando em conta que são múltiplos e de crescimento acelerado. Para os outros tumores a cirurgia é bastante complicada e tem riscos altos. Contudo, seria necessário a avaliação de um neurocirurgião para uma melhor compreensão. Já estamos trabalhando para discutir o caso com o doutor responsável por essa área.
— Quais outras alternativas?
— Radioterapia. Eu particularmente sou a favor do tratamento sem intervenção cirúrgica nesses últimos casos.
— Eu concordo. — Eu digo — A cirurgia seria muito invasiva e não indicada nem mesmo em adultos, muito menos em uma criança.
— Como funciona a radioterapia?
— É utilizado radiação ionizante para destruir as células do tumor e impedir que ele cresça novamente. — Dr. Fremont explicou.
— Em quanto tempo demoremos perceber a melhora com o tratamento?
— É possível perceber alguma melhora com apenas algumas sessões, mas preciso deixá-los cientes de que para a radiação alcançar o alvo desejado, tecidos normais certamente sofrerão também com a radiação. 
— O que isso quer dizer? —A Sra. Cox corre os olhos para mim.
— Que pode também haver piora do quadro clínico. Infelizmente pode acontecer.— Eu respondi.

Ela espremem seus olhos fechados em um último esforço para conter as lágrimas que estão pairando sobre os cílios.
— Ele vai sentir algum tipo de dor ou efeito colateral? —O pai questiona.
— A radioterapia afeta os pacientes de formas diferentes e é difícil saber exatamente como cada um vai reagir. Mas ele provavelmente vai ter fadiga, náuseas, perda de cabelo. Em geral, eles são potentes no início do tratamento e vão ficando mais brandos com o passar do tempo.
— Jushua ficará com sequelas?
— É inevitável que ele tenha diminuição da audição e movimentos limitados das pernas — Jackson não fez rodeios. — Mas se não fizermos nada, as chances de perda total da audição e movimentos das pernas aumentam exponencialmente com o passar do tempo.
— Oh, meu menino —Lágrimas escorregam pelos cantos dos olhos da mãe e o seu marido as pega com o polegar.

Ele abraça a esposa quando ela começa a se desfazer em lágrimas. Eu tento ajudar como posso, me certificando que não fique nenhuma dúvida ou pensamento errado. Após alguns minutos, deixamos o casal sozinhos para terem seu tempo. Dr. Fremont e eu não alcançamos a sua sala antes do pager vibrar.

E assim segue o fim da tarde e começo do plantão, vários chamados para atendimento. O tempo voa ao longo do dia. A maior parte não são casos neorologicos, e sim clínico geral, mas requerem análise cuidadosa de igual maneira. Quando chega minhas gloriosas horas merecidas de descanso, sinto como se tivesse corrido uma maratona. Caminho massageado minhas têmporas conforme sigo para a sala de plantão. Chegando lá eu encontro o Dr. Fremont deitado em uma daquelas camas horrivelmente desconfortáveis. Ele estava se movimentando bruscamente e dizendo algo em seu sono. A única outra pessoa que eu já testemunhei tendo pesadelos foi meu irmão, Deive, quando ele ainda era um Seal. Ele gritava em seu sono. Algumas noites se tornavam demais, e minha mãe iria acordá-lo e consolá-lo. Eu não tinha certeza se eu deveria deixar Jackson dormir por este ou não. Ele estava tão inquieto e parecia tão atormentado.

Hesito diante da porta, dividida entre o desejo de lhe dar privacidade e de reconfortá-lo. Deus sabe que as coisas entre nós tem uma tendência de terminar de forma negativa.

Ouço um gemido baixo. Então: — Minha família não...

Dane-se. Ele precisa de ajuda.

Deixar que fique preso ao pesadelo me parece cruel, e a necessidade de confortá-lo fala mais alto. Respiro fundo e vou em direção à cama. Um braço está jogado acima da sua cabeça, o outro está esticado ao lado do corpo. Seus dedos se agarram ao lençol da cama. Eu me movo devagar e pego sua mão, sentando na beirada da cama. Jackson geme de novo.

— Dr. Fremont.

Ele fica mais inquieto.

— Dr. Fremont —Repito, mais alto dessa vez.

Ele para de se contorcer, mas com o corpo ainda rígido e os gemidos saindo mais rápido agora.

Com delicadeza, coloco a mão em seu ombro.
— Jackson, acorde— Digo, baixinho.

Ele para de gritar agora, mas sua respiração continua forte e não entrecortada.

— Jackson!— Eu o sacudo.

Ele acorda, seus olhos  arregalados e seu corpo imóvel. Fico parada também, deixando que se situe no tempo. Espero a tensão em seu corpo diminuir e sua respiração ficar mais regular, mas é quase como se o ar ficasse pesado no momento em que percebe minha presença.

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