03. Atrasos e recompensas

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Acordei desejando dar um soco na primeira pessoa que ousasse aparecer em minha frente.

Hoje minha roupa foi uma saia com suspensório, uma blusa branca por baixo, meia calça preta e coturno da mesma cor para combinar.

Olhei no espelho para ver como tinha ficado. Assustei ao ver o tamanho das olheiras estampadas em meu rosto.

Eu havia passado praticamente a madrugada inteira acordada, com insônia e vendo coisas aleatórias no celular. Dormi no máximo duas horas.

— Droga! — bufei. — Agora vou ter que passar maquiagem, isso está péssimo.

Eu sempre passo no mínimo um lápis preto na linha d'água dos olhos. Mas hoje teria que passar um corretivo e rímel para não parecer um zumbi ambulante.

Após terminar de cuidar daquele pequeno contratempo, desci as escadas até a cozinha.

Peguei um pacote de biscoito que estava em cima da mesa e saí bocejando, enquanto acendia um cigarro.

— Está atrasada de novo, dona Alone. — Íris tentava fazer cara de brava, sem sucesso.

Fingi que nem ouvi enquanto entrava no colégio. Esse era o melhor horário para chegar pelo simples fato de não ter mais ninguém nos corredores, ou seja, ninguém para me perturbar.

— Senhorita Nicols... — a professora de história começou, assim que me viu.

— Já sei, estou atrasada. — terminei a frase dela com desdém e todos riram. Revirei os olhos e me sentei no costumeiro lugar.

— Como eu estava dizendo, antes da Nicols interromper, vocês vão fazer um trabalho em dupla. — todos começaram a falar, escolhendo suas duplas.

— Porém, eu escolherei os pares. — sorriu irônica e todos protestaram em revolta.

Ela começou a decidir e anunciar as duplas, pedindo para que quem já havia sido escolhido ficasse em pé, para que ela não confundisse e escolhesse a mesma pessoa novamente. — Antônia e David. Alone e... — pensou um pouco, indecisa. — Matias.

Me levantei e olhei para ele, que estava em pé, sorrindo alegre para mim.

— Bom, eu vou explicar como vai funcionar essa atividade. Vocês vão escolher um país e vão produzir um artigo contando a história desse país resumidamente, em no mínimo trinta linhas. Não preciso nem citar que é obrigatório capa, construção do texto, escrita legível, desenhos ou fotos relacionadas a pesquisa... — ela fez uma pausa para anotar as informações no quadro. — fontes bibliográficas e tudo que vocês já estão mais do que acostumados em um trabalho. Lembrando também que essa lição não é para ser feita na sala. Organizem-se para realizar fora do horário de aula, ok? — ela marcou a data de entrega na lousa com caneta vermelha.

Quando a aula acabou, fui até a professora na porta e perguntei se não poderia fazer o trabalho sozinha.

— Você sabe, eu não gosto de trabalho em equipe, faço tudo sozinha. Não curto essa coisa de trabalhar junto. — falei tentando fazer com que ela compreendesse.

— Eu entendo, Alone. Mas infelizmente não será possível, se eu deixar você fazer sozinha, vou ter que deixar todos e esse não é o conceito que eu quero passar.

— E se eu não fizer o trabalho? — levantei uma sobrancelha, a desafiando.

— Bom, aí você ficará com nota vermelha na minha matéria no primeiro bimestre. Ano passado você não entregou nenhuma lição de casa e poucas lições em sala. Passou por pouco, mas esse ano o colégio está mais rigoroso. Talvez você não tenha a mesma sorte. — parou um pouco e me observou bater o pé contra o chão. — Quer um conselho? — minha vontade foi de dizer não, mas não o fiz. — Faça esse trabalho, o Matias é um bom menino, tenho certeza de que será um bom parceiro de trabalho também.

— Obrigada por nada. —Revirei os olhos e voltei ao meu lugar.

Pelo menos a minha dupla é alguém inteligente. Vou deixar o trabalho inteiro para ele fazer sozinho, depois só imprimo as imagens e coloco meu nome embaixo. Pensei.

Continuei sentada em meu lugar durante o recreio. Esperando Bela e logo ela chega e para em minha mesa.

— Olá Bela, como vai? — falei me levantando.

— Eu quero ver o vídeo. — ela continuou séria.

— Ah, claro, eu vou te enviar por mensagem, aí você poderá assistir no seu próprio celular.

— Falando nisso, eu assisti um vídeo do seu ex se desculpando pela mentira que espalhou de você. Tem mão sua nessa história... O que você fez pra convencer ele a se humilhar? — indagou perplexa, enquanto entregava as provas, como combinado.

— Bom, só posso dizer que trabalho com minhas próprias mãos pelo bem único. Ou seja, o meu. — dei uma risada maléfica ao relembrar o vídeo patético de Estevão desmentindo a si próprio.

— Se você não tem mais nada para tratar comigo, com licença, Bela. — a minha paciência para socializar com ela acabara.

Ela saiu da sala, meio sem jeito, olhando para trás, talvez imaginando que eu pudesse atacar pelas costas. Sensata.

— Ah, olá Estevão — parei em sua frente, o fazendo dar um passo para trás. — Oh, coitadinho, está com medo. Fique tranquilo, eu não vou te jogar contra os armários hoje. — falei com sarcasmo — Só se for preciso.

— Eu não sei como pude namorar com você por mais de uma semana, sua desalmada surtada.

— Eu poderia dizer a mesma coisa, seu medíocre egocêntrico.

— Perto de você eu tenho bom coração. Como pode ser tão fria?

— Deixa eu apostar, foi exatamente isso que te fez se apaixonar, não foi? — me mantive estagnada por alguns segundos. — Aliás, amei o vídeo ridículo que você postou ontem. Fazia tempo que não dava tanta risada. Aproveite os cinco minutos de fama, se bem que eu acho que essa continuará sendo sua imagem pelos próximos cinco anos, pelo menos.

Saí antes que ele pudesse retrucar.

[...]

Após várias aulas chatas, finalmente tocou o sinal. A última aula tinha sido tão entediante que por pouco não peguei no sono.

Quando o Matias parou em minha frente, como sempre. — Oi, Ale!

— Ah, oi. — respondi pegando minha mochila.

— Então, eu estava pensando. Quando você acha melhor a gente começar o trabalho? — ele me seguia como um cachorro tentando alcançar o dono.

— Tanto faz — murmurei, indo em direção a saída, procurando a caixa de cigarros no bolso.

— Mas... você tem alguma preferência de país? Ou... — continuou.

— Pode ser qualquer um, Matias. Pouco me importa. — falei colocando um lado do fone embolado, na orelha direita e acendendo o cigarro com um isqueiro.

— Ale — ele me puxou pelo braço e finalmente me alcançou. — Se você quiser ficar com nota vermelha no boletim, tudo bem; mas eu quero passar de ano, eu preciso que você me ajude, eu não posso fazer tudo sozinho, você sabe. — tossiu um pouco com a fumaça.

Levantei a cabeça, já cansada daquele papo e olhei para o teto branco. — Tá. Amanhã, depois da aula, na minha casa. É a minha única proposta a oferecer.

Ele sorriu radiante, ainda tossindo.

— Ok! Nos vemos amanhã então!

Às vezes parecia impossível conseguir evitar contato com pessoas, mas é só um trabalho, não quer dizer que seremos amigos ou algo do tipo. Ele não vai arruinar meus planos.

Alone Por Alone Opowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz