20. Mãe e filha

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Acordei com minha mãe me observando. Dei um pulo e gritei.

- Caramba, mãe! Pra que ficar me encarando desse jeito? - Esbravejei.

- Acordou de mau humor já cedo? - falou, ofendida.

- Eu sempre acordo assim - disse, enquanto colocava uma calça jeans.

- Brigou com o namorado? - sorriu de canto daquele mesmo jeito que me tirava do sério.

- Ele não é meu namorado! - berrei.

- E eu por acaso citei nomes? Cada um tira a conclusão que quer. Mas pense se você estivesse no meu lugar: ver sua filha abraçada com um garoto na sala enquanto ele sorria bobo, apaixonado, e assistindo um romance na televisão. O que pensaria?

- Eu pensaria que eles são ótimos amigos, que não sentem nada um pelo outro além de admiração, carinho e amizade. - destaquei a última parte para ver se ela entendia de uma vez por todas, enquanto trocava de roupa e penteava o cabelo.

- Você está apenas se enganando filha, quanto mais pensar que são amigos, mais vai iludir o mocinho. É óbvio que ele não te encara como amiga. Dá pra ver no rosto dele.

Revirei os olhos e saí bufando do quarto. Aquilo não era da conta dela.

Peguei uma maçã e estava prestes a sair de casa, quando ela impediu.

- Onde você vai?

- Pro autódromo, ué.

Ela levantou as sobrancelhas. - Mas eu tirei um dia de folga só para passar com você. E pra que você vai... - a interrompi.

- Tá, quer ir no autódromo comigo? - perguntei, já impaciente impaciente.

Ela abriu o maior sorriso. - Claro! Mas não podia ser um lugar mais comum?

Fomos até o carro dela que - ao contrário do meu - era como todos os outros.

- De carro? - indaguei, torcendo o nariz.

- Sim. Qual o problema?

- Eu não curto andar de carro. Digo, como passageira. - Quem sabe ela não deixava eu dirigir dessa vez?

- Para de frescura e entra logo, Alone. - mandou, me tirando as esperanças.

Revirei os olhos e entrei, emburrada.

- Onde é o tal autódromo, Clara? - perguntou, assim que ligou o motor.

- Se você tivesse me deixado dirigir... nós já estaríamos lá. - debochei. - E para de me chamar assim.

- Alone, você não vai dirigir. - falou pausadamente. - Você não tem idade pra isso.

- Pra sua informação, eu já sei dirigir. Até melhor que você. - provoquei.

Ela me olhou com a expressão mais brava que costumava usar. - Ou você me fala onde é a tal pista, ou a gente não vai.

Bufei e expliquei para ela o caminho. Ficamos em silêncio e alguns minutos depois já estávamos lá.

- E o que você passa horas fazendo aqui? - indagou observando cada pedaço de lá.

- Eu corro, óbvio. - Só faltei morrer de rir da pergunta super genial dela.

- VOCÊ SABE PILOTAR? - ela gritou, como se fosse uma novidade gigantesca.

- Mãe, eu piloto desde criança. Não enche! - respondi, revirando os olhos.

- Eu não fazia ideia! Mostra! - pediu como uma criança.

Eu poderia fazer esse sacrifício... Peguei o carro e dei algumas voltas.

- Como você faz isso? - ela perguntou, incrédula. - Foi seu pai que ensinou, não foi?

- Não é tão difícil. E sim, foi meu pai.

- Eu ainda lembro das corridas, do público vibrando por ele, do barulho alto dos motores, do jeito que ele olhava para mim, que sempre estava nas arquibancadas, antes de começar uma nova rodada...

- Está vendo como o amor é uma perda de tempo? Você se dedicou tanto para assistir as corridas e no final tudo acabou.

- Esta não é a questão a ser tratada. A questão é que se pudesse eu mataria o seu pai por ter te ensinado tão pequena! Não é perigoso?

- É um risco que eu aceitei correr, tem poucas chances de algo realmente grave acontecer. - Dei de ombros, pouco me interessando pelas suas preocupações.

- Mas se acontecer um acidente, eu não deixo mais você vir nesse lugar.

Olhei para ela por cima dos cílios. - E desde quando você controla o que eu faço ou deixo de fazer?

Respirou fundo. - Eu não quero começar mais uma briga com você, Alone, não hoje. - Ela parou um pouco. - Falando em briga... quando vamos conversar sobre a última discussão?

- Não tem o que conversar. - retruquei, a fitando com indiferença.

- Tem sim. E muito. - Vi que ela não me deixaria em paz enquanto não falasse sobre aquilo, então concordei.

- Olha, eu sei que fui um pouco insensível sobre a morte da sua tia e seu pai.

Um pouco?

- E que você sente falta de uma mãe presente, mas... - A interrompi.

- Mas esse é o seu trabalho, a sua vida, a sua profissão e você não pode largá-la pois é o nosso meio de sustento. Eu já ouvi esse discursinho mil vezes, mãe. Ah, e tem outra coisa: Essas coisas são a sua vida, e coincidentemente eu não faço parte dela.

- Você sabe que não é assim, filha. Eu amo você, mas não posso permitir que você fique matando aulas desenfreadamente e sem punição.

- Então vai fazer o quê? - levantei uma sobrancelha.

- Eu não quero mais receber alertas da sua escola, se eles continuarem a ter que me ligar, me fazendo sair do trabalho mais cedo, eu terei que tomar providências. - falou, firme.

- É claro, sempre o trabalho. Eu não vou matar aulas... pelo menos vou me esforçar para a escola não descobrir...

Ela fez uma cara feia, mas eu fingi que nem percebi.

Fomos para o carro, ela queria tomar um sorvete e eu tomaria um suco.

[...]

- Se aquele garoto não é seu namorado... então quem é?

Eu já estava cansada dessa invasão de privacidade. - Ninguém, eu não namoro... não atualmente...

- Mas já teve o primeiro beijo... Então já deve ter namorado, não?

- Eu já namorei, mãe. Se você fizesse mais parte da minha vida, saberia. - cruzei os braços.

- Quem foi o sortudo? - ignorou o último comentário.

- Bom, primeiro eu fiquei com um garoto chamado Ronaldo, depois com o Calebe e uns outros insignificantes que nem merecem ser citados de tão pouco tempo de "relacionamento", fiquei com um Joaquim, aí namorei o Estevão - não sei nem se aquilo pode ser considerado um namoro -, e o mais recente foi o Ravi. - Fiz as contas nos dedos.

Ela ficou boquiaberta. - Você já ficou com mais garotos do que eu em toda a minha vida.

Dei de ombros. - Eu só não acredito no amor. Então tanto faz, qualquer um serve. Eu sei que no fim vou terminar com cada um deles.

- Você não pensa assim porque eu e seu pai nos separamos quando você era pequena, ou pensa?

- Não... eu só não vejo motivos pra acreditar nessas bobeiras - fui sincera. - O amor é algo sem sentido algum.

Alone Por Alone Onde histórias criam vida. Descubra agora