09. Melhores amigos

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Ok, eu já tinha convencido o Matias a faltar um dia. Não deveria ser tão difícil fazer isso mais uma vez. Né?

No dia passado nós ficamos no autódromo por horas. Ele estava maravilhado com o carro e a pista... e todo o resto. Eu achei a maior graça da reação dele a cada vez que eu ligava o motor.

Ele ficou tão animado que não parava de pedir para que eu o ensinasse a pilotar. Mas, eu sabia o quanto aquilo poderia ser arriscado caso ele fizesse algo errado. Por isso, disse que pensaria a respeito, mas só se ele parasse de pedir.

No final do dia fomos embora. Ele me acompanhou até minha casa, por mais que eu esbravejasse, dizendo que sabia me cuidar e que o sequestrador que deveria ter medo de mim... Porque homens são tão teimosos?

Hoje eu precisava o levar lá novamente. Havia pensado melhor e talvez eu pudesse o ensinar o básico. Apenas como ligar, andar bem devagar e algumas outras coisas não tão perigosas.

Treinei a minha melhor cara para convencer ele. Eu sei que, com os truques certos, não tem como ele conseguir dizer não.

Saí de casa, indo direto ao colégio. Se não chegasse antes dele entrar, perderia a oportunidade de falar com ele e meu plano iria por água abaixo.

Rapidamente o enxerguei. Estava caminhando até o portão de entrada da escola, falando ao telefone.

- Oi, Ale. - abriu um sorriso, revelando covinhas que provavam que ele continuava o mesmo.

- Vamos no autódromo hoje? - indaguei e senti uma empolgação por algum motivo.

- Depois da aula? - perguntou com ingenuidade.

- Agora. - falei como se fosse óbvio. - Vamos lá, Matias! Você não pode ser tão nerd ao ponto de dizer não, né?! - dei um toque no braço dele, como incentivo.

- Nã-não dá, Ale. Você sabe que eu não... eu não gosto de matar aula, isso é muito grave. - abaixou o tom de voz, como se fosse falar algo proíbido - É mentir pra todo mundo descaradamente.

- Eu te ensino a pilotar. - joguei a carta que estava posicionada na manga.

- Você está falando sério? - praticamente berrou.

- É... Quer dizer, não pilotar profissionalmente, mas talvez você possa aprender a dar umas voltas. - disse com um pouco de receio adiantado.

- Jura? - seus olhos brilhavam, mas ele tentava se conter.

- Juro pelo que você quiser, Matias Wilians.

Voltou a ficar indeciso. - Eu não sei não, Ale... Não é certo fazer isso. Ainda mais pela segunda vez. Ontem eu já tinha te dito que seria a única vez que faríamos isso...

- Tem muitas coisas que não são certas, eu não ligo. Se você não for, eu vou sozinha. Não estou indo por você, quero deixar claro. - rebati séria e me virei para atravessar a rua.

Ele segurou meu ombro. - Espera - sorri de canto antes de virar. Pressão psicológica, realmente, um ótimo jeito de convencer alguém. Mesmo que não pareça certo em uma "amizade". - Eu vou com você. - suspirou sem certeza. - Eu não quero que passe o dia sozinha, ainda mais num lugar vazio e abandonado como aquele.

[...]

Assim que chegamos, fomos direto para a garagem que ficava o carro de corrida.

- Eu estou tão animado para pilotar essa coisa!

- Primeiro você precisa aprender que isso é um carro de corrida e não uma "coisa". - expliquei rindo com sarcasmo.

Ele fingiu estar anotando em um bloquinho imaginário.

Revirei os olhos. - Vai. Entra aí. - ele obedeceu, sem saber como começar, não estava acostumado com o fato de carros assim não terem porta.

Expliquei para ele alguns passos básicos para o carro acelerar, frear e virar. - Matias, em hipótese alguma, aconteça o que acontecer, de maneira nenhuma descumpra as regras. E não vá mais rápido do que é capaz de controlar. Ok?

Ele observou um pouco o volante e desviou para mim, com um sorriso. - Obrigado, Ale, por me mostrar um pouco do seu universo. Nunca foi meu sonho aprender a pilotar, mas parece que assim criamos uma conexão maior. Nossos mundos ficaram mais próximos.

Matias - falei me apoiando na lateral do carro. - Por favor, não faça nenhuma besteira. - olhei no fundo de seus olhos. - E obrigada por isso. Faça jus a essa frase profunda e bonita que você disse.

- Vai ficar tudo bem. Confia em mim. - senti sua mão relar nas costas da minha. Puxei rápido.

Ele ligou o carro, como eu havia passado bom tempo explicando delicadamente. Fomos tão devagar que conseguia acompanhar com passos.

- Acelera um pouco mais. - mandei, que fez de acordo com a ordem. Apressei mais o passo, até que chegasse a metade da pista.

- Acelere mais. - gritei ofegante. Ele fez como dito e eu já não conseguia acompanhar com meus passos.

Eu não podia negar, minhas mãos estavam suadas pela tensão de pensar que algo pudesse acontecer... Mas ele ficou bem. Deu a volta toda até mim e pulou do carro. Me abraçando em seguida.

- Você conseguiu, Wilians. - falei tão baixo que duvidei que ele tivesse escutado.

- É que eu tenho a melhor professora. - disse ainda me abraçando.

- E-eu preciso abastecer o carro agora. Daqui a pouco continuamos a aula. - exclamei, me soltando de seus braços e indo até a garagem.

Depois de abastecer, retornamos a pista para continuar. Ele parecia estar gostando tanto de tudo aquilo... Talvez, quando estou pilotando seja o único momento que me sinto viva de verdade. Era tudo que restava da minha antiga vida, era meu lar.

- Ei, vamos nas arquibancadas descansar um pouco. - falei cansada. Já era fim de tarde e o sol estava se pondo.

Ele apenas me seguiu. - Eu amei esse lugar! - disse, me acompanhando em passos lentos. Sua expressão era como se fosse a primeira vez que via tudo aquilo.

- Bem, agora você sabe algo sobre mim. Como você disse, nossos mundos não parecem mais tão distintos. - falei, olhando o sol descer devagarinho.

Ficamos em silêncio por um tempo, apenas admirando o céu.

- Ale... o que eu sou pra você? - rompeu o silêncio.

Pensei por um pouco. - A única pessoa que é possível eu gostar. A única pessoa que eu gosto de suportar. - afirmei ainda sem o olhar diretamente.

Observei pela visão telesférica que ele estava com um sorriso satisfeito.

- E você? O que eu sou para você? - indaguei com uma ponta de curiosidade. Talvez diria que eu sou uma pessoa ruim, sem coração...

- Minha melhor amiga. - olhei surpresa para ele. - Obrigado por me tratar diferente das outras pessoas da escola.

Sorri de canto, balançando a cabeça. Se eu conseguisse não o tratar diferente...

- Eu nunca fui a melhor amiga de alguém. - respondi. - É um pouco estranho a sensação de...

- Ter um melhor amigo? - perguntou, antes que eu terminasse a frase.

- Eu não disse que você é meu amigo. Nem melhor amigo. Eu disse que te suporto, apenas. - falei fingindo seriedade.

- Eu não acho que você teria me trazido aqui se não me considerasse seu amigo. Pelo menos um pouquinho. Lá no fundo, desse coração gelado, você sabe que é assim.

Alone Por Alone Opowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz