Capítulo 22: Beatrice de Dalibor

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Amanheceu e os três reis juntamente com uma comitiva de nobres e alguns reis-guerreiros de outros reinos presentes para o casamento, saíram para participar de uma caçada, juntamente com dezenas de servos e grandes cachorros de caça.
Derek providenciou para que seus caçadores  mais experientes em  cacar lontras e lobos estivessem  presentes. Com o abate teriam peles para  a temporada seguinte do inverno e carne para servir aos moradores do castelo. A caçada específica desses animais era bem vista pelos camponeses das vilas, por que sempre havia reclamações de assaltos a galinheiros e estragos nas plantações. E os lobos, quando ficam famintos, invadem as vilas em busca de alimentos, e  geralmente, essas visitas terminavam em fatalidades,  com a morte de  crianças pequenas, como já havia acontecido no inverno passado nas vilas de Craig.
Derek então criou uma montaria especializada para controlar a proliferação dessa espécie e assim, garantir segurança a todos.
Embora naquela manhã, o objetivo principal da aventura fosse caçar cervos para o banquete de casamento, todos os presentes aproveitaram a caçada para se exercitar. Com  seus arcos e flechas, os homens  faziam paradas oportunas para treinar. Caçadas eram um excelente exercício nesses tempos que a paz reinava. Nobres e cavaleiros usualmente usavam essa estratégia para  se manterem em forma.
Ao final da tarde, já com a caça devidamente colocadas sobre os cavalos, os nobres voltaram ao castelo.
As comitivas se encaminharam para o grande salão onde encontraram  as mesas postas, repletas de comidas e bebidas para servir a todos.
Com grande fastio, os nobres e cavaleiros beberam e comeram  relatando os feitos da caçada.
Passado um tempo, Derek se retirou e alguns  minutos depois, o Chanceler-mor se aproximou dos Reis  Cornell, Ozzil e Theo e, numa grande referência falou:
- Vossas Majestades, o rei de Craig espera-vos em sua sala de reuniões.
Os reis se entreolharam. Seus sentidos se aguçaram, porque era sempre assim. Estavam sempre alerta.
Durante o dia, Derek não deu sinais que havia algo errado, ou que havia algum assunto a ser tratado mais tarde.
Os reis seguiram o chanceler com preocupação, embora estivessem calados e absortos em seus próprios pensamentos.
Assim que chegaram ao recinto, Derek já se encontrava lá bebendo uma  grandes caneca de cerveja.
-Convidei vossas majestades para virem aqui porque preciso de conselhos... de amigos,  e possivelmente uma parceria de um negócio, se a ideia lhes aprouver.
Ozzil pareceu relaxar. Estava acostumado a conversas reservadas onde guerras e invasões seriam organizadas.
-Diga então meu caro rei, de que conselho precisa?
Theo estava em pé ao lado da porta e Cornell se encaminhou para a grande janela oval, onde se via o jardim interno
-Vamos direto ao assunto. Preciso de um banho.-Falou Theobald.
Derek se levantou e parecia eufórico.
-Bem sabem que faz parte das minhas terras , este enorme quintal, e herança de meu pai, que é este  vasto oceano, que desagua em lugares unisitados e desconhecidos.
Ozzil retrucou.
-Misterioso, e perigoso também.
Derek bebeu mais um gole de sua cerveja.
-Sim. Exatamente! E aconteceu um fato interessante por estes dias, quando através do Barão Alexander Domenico, marido de Aysha, minha irmã, tive o prazer de conhecer Sir Ivor, Duque de Sigrid. Ele é um peregrino por natureza, viaja por todo lugar conhecendo pessoas, lugares exóticos e fazendo negócios.
Derek parecia empolgado ao falar. Notando o silêncio dos amigos, continuou.
-Em suas peregrinações, ou aventuras como queiram chamá-las, ele se tornou um construtor de barcos. Me pareceu  bastante entendido do assunto e me falou das  várias aventuras que se podem fazer com barcos. Existe  também possibilidades de manter relação comercial com o Oriente, e assim fazer negócios lucrativos.
Theo parecia interessado na conversas.
-Ja ouvi falar desse nórdico, Ivor. É um negócio muito arriscado,  mas ao mesmo tempo, me parece muito interessante.
Derek ficou mais excitado  conforme falava.
-Arriscado, mas estratégico. Ivor falou que é possível  armar os barcos com lugares estratégicos para os arqueiros lançarem suas flechas  e o melhor, os exércitos podem se locomover mais rápido e em maior número do que cavalgando.
Assim que a mãe e a esposa se afastaram do seu campo de visão, Cornell decidiu participar da conversa.
-Mas seria necessário  pensar em cartógrafos experientes, bons  construtores para fazer barcos seguros, marinheiros e marujos hábeis e um  bom capitão para  comandar toda a frota.
Derek sorriu e sentou despretensioso, em sua cadeira.
-Ivor diz que tem as habilidades necessárias para construir  os barcos e encontrar as  pessoas adequadas para cada uma dessas funções que você, muito inteligentemente falou.
Ozzil estava  pensativo.
-O  quanto esse nórdico é confiável?
Derek o olhou e respondeu prontamente:
-Se não for, ele encontrará o caminho dele numa longa viagem  ao fundo do mar. E você,
Theo, o que acha? O reino de Walden poderia fornecer a madeira para construção dos barcos e caravelas?
Theo também estava pensativo. Existiam muitos questões que ele enfrentava nesse momento, mas Walden era o vale da madeira. Um vale riquíssimo! que poderia sim fornecer madeira suficiente para a construção de uma  frota de navios.
Mas Theo estava cauteloso.
-Isso me parece bom e grandioso. Mas é um negócio que demandará tempo e dedicação. E é uma atividade nova. Não conhecemos nada sobre isso. Mas, ao mesmo tempo, as coisas mudam rápido e possivelmente daqui a algum tempo, os barcos podem sim, tomar o lugar dos cavaleiros.
Derek gargalhou prazerosamente.
-Você falou o mesmo que Aysha disse quando lhe perguntei sua opinião.. Ela pensa anos a frente, como bem sabe.
Theo abaixou os olhos ao ouvir falar de Aysha.
Ela havia sido o seu grande amor de infância e de adolescência.
O coração de Theo se entristeceu. Ele nunca lhe falara de seu amor. E esse sentimento lhe ocupou dias e noites sem dormir. Mas ele sempre soube que nunca seria digno do amor  dessa mulher. E o pior de tudo: ainda a amava!
Nisso, Ozzil gargalhou abundantemente,
-Está para nascer o  dia em que os cavalos não serão os melhores companheiros de um homem.
Cornell concordava. Mas era uma ideia surpreendentemente interessante.
-Eu penso que  é um negócio bastante inovador o  suficiente parava dar certo.
Derek sorriu com as opiniões e bebeu um grande gole da sua cerveja.
- E quanto a Dalibor, poderiam fornecer as velas para as embarcações feitas pelas mãos habilidosas das artesãs que são  reconhecidas como as melhores dos treze reinos. Assim todos ganhamos.
Cornell olhou para o  pai que depois de algum tempo assentiu.
Derek vendo que a ideia era um consenso entre os quatro, pegou sua espada e a manejou com habilidade colocando-a na vertical, na frente de seu corpo.
Os três homens se aproximaram e juntos ergueram suas espadas e a colocaram no meio deles formando uma estrela de quatro pontas.
Estava feito. Seriam parceiros nessa nova empreitada rumo ao futuro.
....
Beatrice estava cansada depois do passeio agradável com Heloise pelo jardim e da visita a Rainha Margot, mãe de Derek, que padecia de uma doença inexplicável que a deixava impossibilitada de se locomover desde a morte de seu marido.
Enquanto caminhava com Agnes e seus fiéis escudeiros, ela resolveu ir ao encontro das mulheres que se reuniam no salão para bordar.
Lá se encontravam as irmãs de Derek, as nobres que viviam no castelo e a princesa Roshlyn.
Quando Beatrice entrou no grande salão, todas se levantaram em sua presença, abrindo espaço para que ela caminhasse entre elas e se sentasse.
Beatrice caminhou timidamente entre elas. Roshlyn depois de fazer a reverência, voltou sua atenção para o bordado.
Seu estado de espírito não éramos melhores. O casamento seria amanhã! Amanhã! Nem um dia a mais nem a menos.
Ela olhou discreta e vi Beatrice sentar e sorrir gentilmente para todas. O súbito silêncio foi quebrado pela voz suave  da rainha:
-Podem continuar com seus afazeres.
Então, todas relaxaram e as princesas de Craig que estavam próximas a elas, se apresentaram a Beatrice.
A primeira a se apresentar foi Aysha  que  era a filha mais velha do rei Zefferin, era casada com um barão, e tinha três lindos filhos, segundo ela.
Alicia que era extremamente encantadora, falou para a rainha de seus interesses por filosofia e poesia, e que Derek permitiu que em breve, ela viajasse para estudar com um tutor.
A terceira irmã de Derek a se apresentar foi Felicia, a caçula, que lhe falou de seu interesse pela natureza e poder das ervas e revelou que se considerava a boticária do reino de Craig.
E ao falar de seus interesses demonstrou sua inteligência excepcional e disse algo que deixou Beatrice admirada.
Beatrice ficou extremamente surpresa de como aquelas mulheres eram autônomas e conduziam suas vidas independentes da mentalidade e da grande influência da sociedade que viviam, cada vez maior na vida das pessoas.
E então olhou para Roshlyn, que estava sentada, numa posição inflexível. Suas mãos estavam segurando o bastidor e pareciam tremer. Ela ouvia a tudo calada. Suas vestes, diferentes das outras princesas, eram austeras e não tinha cor.
Um vestido largo de algodão, e sandálias simples sem nenhum adorno.
Parecia na verdade, mais uma religiosa do que uma princesa.
Beatrice ficou intrigada com Roshlyn. Gostaria de poder falar com ela, mas a princesa de Havema parecia extremante reservada. E enquanto todas cochichavam entre si, ela permanecia concentrada no seu bordado.
Beatrice olhava discretamente para a figura pequena com os longos cabelos presos numa trança de lado, e lembrou-se imediatamente da cena que presenciou na noite anterior e se sentiu penalizada por aquela jovem tão simples e pudica.
Ela era o extremo oposto de Derek, e como, pelos céus, ela viveria ali? Num castelo onde a luxúria perpassava por cada cômodo? Ela realmente gostaria de lhe falar algumas palavras de apoio. E quando viu, já havia vernalizado o seu desejo.
Todas as mulheres  a olharam entre curiosas e perplexas, mas deixaram seus bordados numa mesa grande e se retiraram deixando Beatrice sozinha com Roslyn.
Ela parecia extremamente constrangida. O que  aconteceria ali?
Porque a rainha decidiu falar com ela?
Seu nervosismo era aparente e Beatrice não queria lhe causar mais pânico do que ela já deveria estar sentindo. Gostaria apenas de lhe tranquilizar e demonstrar que estava ao seu lado.
-O casamento é amanhã. Como se sente?
Roshlyn pareceu surpresa com a pergunta. Havia anos que ninguém se interessava pelo que sentia ou pensava.
-Não vou mentir para vossa Majestade, embora talvez fosse o mais fácil.
Beatrice gostou dela. Ela tinha voz rouca e seus olhos azuis eram profundamente expressivos. E tristes.
-Não acho que o fará.
Roshlyn suspirou.
-Pedi muito a meu pai que me dispensasse do compromisso, pois sinto que minha vocação  é a vida religiosa. Estava me preparando para ir para o convento  quando o acordo de noivado foi feito e eu vim para Craig, desde então.
Beatrice levou a mão a boca e revirou os olhos, levantando-se e se aproximando de Roshlyn, pegando em suas mãos
-Oh céus!  Pobrezinha.
Agora Beatrice entendia suas vestes. Ela com certeza devia fazer votos de humildade.
As duas sabiam que uma  rainha nunca toca uma outra pessoa. Mas ambas estavam sós e precisavam dessa compreensão e afeto.
Beatrice olhava para essa jovem tão linda e pura acsua frente e só se lembrava da ruiva que gemia com o rei Derek entre suas pernas,
Henriet.
A amante do rei.
Roshlyn abaixou os olhos e falou tristemente:
-Vossa Majestade, eu sei que minha vida será repleta de infortúnios. Mas agora estou resignada. Não há nada a ser feito.
Beatrice sorriu com tristeza.
-Apenas não deixe que os infortúnios sejam mais fortes do que você.
Roshlyn demorou alguns minutos e sorriu ligeiramente.
...
Quando a rainha deixou para ir para seu quarto, Roshlyn colocou sua capa azul e escapou da sua guarda saindo pela porta da cozinha.
Escapar, fugir, era uma coisa comum para ela. A cortesia e gentileza de Beatrice haviam mexido no mais fundo da sua alma.
Ela sentia-se como um pássaro que teve as asas cortadas e agora não pode mais voar.
Ninguém notaria sua ausência. Ou se notassem, de que lhe importava? Ninguém poderia salvá-la de seu destino.
...
Derek viu um vulto azul passar pelo canto dos seus olhos. Aquele azul de tom único era a capa que havia presenciado a princesa de Havema. Ele a seguiu com os olhos e ela  parecia fugir de algo. Em alerta,  com a mão na espada, esperou para ver quem a amedrontava.  Iria ter a cabeça cortada. Fosse quem fosse.
Derek aguardou e ninguém apareceu. Chegou até o corredor de onde Roshlyn havia saído e não viu ninguém. Foi então que o rei percebeu que a princesa fugia do castelo.Fugia de todos ali. Fugia do casamento. Fugia dele...
O rei vestiu seu manto e a seguiu. Sentiu um forte impacto emocional em pensar na solidão que ela deveria estar sentindo fugindo como um animalzinho ferido. Seu coração se enterneceu. Não queria que ela sofresse daquela maneira.
Ele não estava sendo um bom noivo  para ela . O casamento baseado na idealização do amor cortês não era uma opção para o os dois.
Pensativo, Derek andava com as mãos para trás, seguindo Roshlyn de longe e vendo a pequena mancha azul se encaminhar para a praia.
Roshlyn chegou perto do mar. Embora a noite já estivesse chegando e fosse deveras perigoso estar tão perto do ma, ela precisava sentir a força caritativa da natureza, que no fim, ela entendia como a própria força do criador.
Precisava de coragem. Precisava de amparo. Coisa que ela nunca teve e que talvez nunca viesse a ter.
Sentindo que não aguentava mais tanta pressão sob ela, Roshlyn irrompeu em lágrimas.
Derek se aproximou pisando devagar na areia molhada.
Ela chorava! Chorava tapando o rosto com as duas mãos, como as suas irmãs faziam quando eram crianças.
Derek se aproximou um pouco mais e o vento batia forte e estava fazendo muito frio.
Ele precisava falar alguma coisa, mas não conseguia pensar em nada apropriada que abrandasse a sua dor.
-Vossa Alteza.... Ele sussurrou.
Roshlyn pareceu não ouvi-lo. O vento a impedia de ouvi-lo.
-Milady...
O rei então se adiantou e tocou em seus ombros lentamente. Na verdade, com medo de toca-la como nunca teve com nenhuma outra mulher.
Ela era frágil. Estava vulnerável e o que ele menos queria era assusta-la.
-Roshlyn...
Aquele nome em sua boca ganhou um novo significado e ele precisou experimentar novamente:
-Roshlyn.
Ela ouviu uma voz masculina ao mesmo tempo doce e enérgica.
Seus pensamentos estavam tão confusos e sua dor era tanta que ela imaginou que o rei a chamava pelo nome. Virou -se para ver o vazio. Mas ele estava lá. Os cabelos pretos ao vento e um olhar preocupado.
Roshlyn fechou os olhos. Quem sabe aquela aparição não sumisse? Precisava de tudo nessA vida, menos da presença de seu algoz.
-Você sempre fecha os olhos assim...é para não ver milady?
Ele falou isso sorrindo, para tentar amenizar as lágrimas dela.
Então Roshlyn abriu os olhos e o rei estava na sua frente.
Aos olhos de Derek, a figura dela era quase trágica: os longos cabelos estavam soltos e voavam como pássaros no ar.
Ela era linda! Derek olhou para sua boca e lembrou-se que na noite anterior não conseguiu se satisfazer, pois havia pensado nela.
Desviou o olhar.
-Não quero que sofra dessa maneira milady. Em nossas vida há perdas e ganhos.
Roshlyn limpou o seu rosto coberto de lágrimas com a manga da capa azul.
Derek sorriu. Ela realmente não tinha a educação formal de uma princesa normal.
Roshlyn ficou em silêncio.
-O que eu puder fazer para melhorar a vida de milady, eu farei.
Ela olhou nos seus olhos azuis cobalto reveles estavam sérios e presos nos seus.
—Vossa alteza estaria disposto a abrir mão de seus amigos que bulinam as servas e também se livrar de suas amantes?
-Ora ora ora.... Quem diria que a princesinha tinha personalidade! Pensou Derek completamente envolvido no diálogo.
-Com o tempo sim.
Roshlyn manteve o olhar no dele.
-Posso fazer alguns ajustes, se isso lhe trouxer alegria. -O rei falou depois de algum tempo
Roshlyn prendeu os longos cabelos com a mão e com a cabeça baixa falou:
-Alegria é um sentimento que não aprendi milorde.Mas sim, posso me sentir melhor.

O Rei ProfanoWhere stories live. Discover now