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Um dia depois, o trem parava com um guincho.

-Baton Rouge! -gritou um bilheteiro ao longe.

Estávamos nos aproximando de Nova Orleans, mas o tempo se arrastava, lento demais para o meu gosto. Pressionei as costas contra a parede do vagão, observando passageiros guardando apressadamente seus pertences enquanto se preparavam para esvaziar as cabines. Então meus olhos repousaram sobre um bilhete verde, estampado com uma grande marca de bota. Ajoelhei-me e peguei-o. Sr. Remy Picard, Richmond a Nova Orleans.

Coloquei-o no bolso e sai andando alegremente pelo trem, até que senti alguém me olhando com curiosidade. Virei-me. Duas irmãs sorriam para mim pela janela de uma cabine privativa, com um expressão assustada. Uma trabalhava numa peça de bordado, a outra escrevia em um diário com capa de couro. Eram observadas com uma intensidade de falcão por uma mulher baixa roliça de uns 60 anos, toda de preto, provavelmente a tia ou tutora.

-Senhor? - disse a mulher, virando-se para mim. Fixei-me em seus olhos azuis aquosos.

-Creio que deixou algo no vagão-restaurante - falei - Algo de que precisa - continuei, imitando a voz lenta e estável de Damon. Seus olhos se alteraram, mas senti que era diferente do modo como o bilheteiro reagiu ás minhas palavras. Quando tentei coagi-lo, foi como se meus pensamentos se chocassem contra aço: aqui, parecia que meus pensamentos rompiam neblina.

Ela tombou a cabeça de lado, ouvindo com atenção.

-Deixei uma coisa...- interrompeu-se, parecendo confusa.

Mas eu sentia algo em meu cérebro, uma espécie de fusão de nossas mentes, e sabia que ela não ia me confrontar.

Prontamente a mulher remexeu o corpanzil e se levantou do banco.

-Ah, ora, creio que sim - disse ela, dando meia-volta e descendo o corredor sem olhar para trás. A porta metálica do vagão se fechou com um estalo e puxei as pesadas cortinas azuis por cima da pequena janela do corredor.

-É um prazer conhecê-las - falei, fazendo uma reverência para as meninas - Meu nome é Remy Picard - continuei, baixando disfarçadamente os olhos para o bilhete que aparecia pelo bolso do paletó.

-Remy - repetiu a mais alta em voz baixa, como se quisesse memorizar o nome. Senti minhas presas latejarem na gengiva. Eu estava com tanta fome e ela era tão delicada... Uni os lábios com força e me obriguei a ficar parado. Ainda não.

-Enfim! A tia Minnie nunca nos deixa em paz! - disse a mais velha. Parecia ter uns 16 anos. - Ela pensa que não somos de confiança;

-E são mesmo? - brinquei, rendendo-me á sedução á medida que os elogios e respostas eram trocados. Como humano, teria esperado que um diálogo desses terminasse com um aperto na mão ou um roçar de lábios no rosto. Agora, só no que pensava era o sangue que corria pelas veias das meninas.

Sentei-me ao lado da mais velha; os olhos da mais nova me investigavam com curiosidade. Ela cheirava a gardênias e a pão recém-saído do forno. A irmã - deviam ser irmãs, com o mesmo cabelo castanho-caramelado e olhos azuis inquietos - tinha um cheiro mais intenso, de noz moscada e folhas recém-caídas.

-Meu nome é Lavínia, e esta é Sarah Jane. Estamos nos mudando para Nova Orleans - disse uma delas, colocando o bordado no colo - Sabe de uma coisa? Acho que vou sentir uma saudade terrível de Richmond - disse num tom queixoso.

-Nosso pai morreu - acrescentou Sarah Jane, o lábio inferior tremendo.

Assenti, passando a língua pelos dentes e sentindo as presas. O coração de Lavínia batia mais rápido do que o da irmã.

-A tia Minnie quer me casar. Pode me dizer como é, Remy? - Lavínia apontou para o anel em meu dedo anular. Mal sabia ela que o anel não tinha nenhuma relação com casamento, mas tudo a ver com a capacidade de caçar meninas iguais a ela em plena luz do dia.

-O casamento é agradável, desde que conheça o homem certo. Acha que vai conhecê-lo? - perguntei, olhando em seus olhos.

-Eu...não sei. Imagino que se ele for como você, posso me considerar de sorte - O hálito dela era quente em meu rosto e eu sabia que não me controlaria por muito mais tempo.

-Sarah Jane, aposto que sua tia precisa de ajuda - falei, encarando os olhos verdes. Ela parou por um momento, depois pediu licença e saiu para encontrar a tia. Eu não sabia se estava coagindo ou se ela simplesmente seguia minhas ordens porque era uma criança e eu, um adulto.

-Ah, você é malvado, não é? - perguntou Lavínia, os olhos faiscando ao sorrir para mim.

-Sim - respondi bruscamente - Sim, sou malvado, minha cara - Mostrei os dentes, vendo com muita satisfação seus olhos se arregalarem de pavor. A melhor parte das refeições era a expectativa, ver a vítima tremer, indefesa, minha. Curvei-me devagar, saboreando o momento. Meus lábios roçaram suas pele macia.

-Não! - disse ela, ofegante.

-Shhhh - sussurei, puxando-a para mais perto e deixando que meus dentes tocassem sua pele, no início sutilmente, depois com mais vontade, até que me afundei os dentes em seu pescoço. Os gemidos transformaram-se em gritos e mantive minha mão em sua boca para silenciá-la enquanto sugava o líquido doce. Ela gemeu levemente, mas logo seus suspiros tornaram-se miados.

-Próxima parada, Nova Orleans! - gritou o bilheteiro, arrancando-me de meus devaneios.

Olhei pela janela. O sol estava baixo no céu e o corpo quase morto de Lavínia era pesado em meus braços. Pela janela, Nova Orleans surgia como num sonho, e eu podia ver o mar estendendo-se ao infinito. Era assim que minha via estava destinada a ser: intermináveis anos, intermináveis refeições, intermináveis meninas lindas e doces suspiros e sangue ainda mais doce.

-Para sempre ofegante, e para sempre jovem - sussurei, satisfeito ao ver como o verso do poeta Keats combinava com minha vida.

-Senhor! - O bilheteiro bateu na porta. Saí da cabine, limpando a boca com as costas da mão. Era o mesmo bilheteiro que tinha parado a mim e Damon na frente de Mystic Falls, e vi a desconfiança brilhar em seu rosto.

-Então estamos em Nova Orleans? - perguntei, o gosto do sangue de Lavínia no fundo da garganta.

O bilheteiro ruivo assentiu.

-E as senhoras? Estão cientes?

-Ah, sim, estão cientes -respondi, sem desviar os olhos e tirando o bilhete do bolso - Mas pediram que não fossem perturbadas. E também peço para não ser perturbado. O senhor nunca me viu. Nunca esteve perto desta cabine. Mas tarde, se alguém perguntar, dirá que podem ter sido bandidos que embarcaram em Richmond. Eles pareciam suspeitos. Soldados da União -inventei.

-Soldados da União? - repetiu o bilheteiro, claramente confuso.

Suspirei. Até que eu tivesse controle sobre a coação, teria de recorrer a um estilo mais permanente de apagar a memória. Em um instante, segurei o pescoço do bilheteiro e o quebrei com facilidade, como se fosse uma ervilha. Depois atirei na cabine com Lavínia, saí e fechei a porta.

-Sim, os soldados da União sempre criam tumultos sangrentos, não é mesmo? -perguntei retoricamente. Depois, assoviando, fui buscar Damon na ala masculina.

sede de sangue -diarios de Stefan -vol.2Where stories live. Discover now