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Corri para o lago e ainda ecoava em minha mente o som da estaca rasgando a carne de Damon. Quando cheguei á margem, olhei meu reflexo na água. Meus olhos castanhos me fitaram, os lábios comprimidos numa linha fina. Com um movimento furioso, atirei um seixo no lago, desmanchando minha imagem em mil ondulações.

Parte de mim queria saltar no lago, nadar até o outro lado e nunca mais voltar. Damon que fosse para o inferno, se era a morte que ele queria tanto. Mas, por mais que eu desejasse a morte dele, não poderia matá-lo. Apesar de tudo, éramos irmãos, e eu queria - precisava- fazer o que estivesse a meu alcance para salvá-lo. Afinal, os laços de sangue são mais densos que a água.

Eu ri com amargura ao pensar nos significados profundos desta metáfora. O sangue era também mais complicado, mais destruitivo e mais angustiante do que a água.

Deixei-me cair na areia da beira da água salobra e me deitei de costas com um suspiro, deixando que o sol fraco de novembro me cobrisse. Não sei quanto tempo fiquei assim, até que senti a vibração de passos abafados no chão.

Suspirei. Não sei o que esperava encontrar, vindo ao lago, mas a paz e a tranquilidade foram pertubadas quando Callie se sentou a meu lado.

-Está tudo bem? - perguntou, atirando uma pedrinha no lago. Ela não se virou para mim.

-Eu só...Pode me deixar sozinho? - murmurei - Por favor

-Não.

Sentei-me e a olhei bem nos olhos.

-E por que não?

Callie torceu os lábios, franzindo a testa como se tentasse resolver um problema complicado. Depois, hesitante, estendeu o dedo minimo e acompanhou com ele o contorno de meu anel de lápis-lazúli.

-O monstro tem um igual a este - disse ela.

Afastei subitamente minha mão, horrorizado. Como pude me esquecer de nossos anéis?

Callie limpou a garganta.

-O vampiro; ele é... seu irmão?

Meu sangue gelou, e me coloquei de pé num salto.

-Não, Stefan! Fique - Os olhos verdes de Callie estavam arregalados e o rosto corado -Por favor. Fique. Sei o que você é e não tenho medo.

Recuei um passo, minha respiração ofegante e acelerada. Minha cabeça girava e senti-me nauseado novamente.

-Como pode saber o que sou e não ter medo de mim?

-Você não é um monstro - disse ela simplesmente. Também se levantou.

Por um instante ficamos parados ali, sem falar, mal respirando. Um pato traçou uma trajetória em arco no lago. Um cavalo relinchou ao longe. O cheiro de pinho fez cócegas em meu nariz. Percebi então que Callie tinha retirado toda a verbena do cabelo.

-Como pode dizer isso? - perguntei - Eu poderia matá-la num segundo.

-Eu sei - Ela me olhou nos olhos como se procurasse algo. Minha alma talvez - Então, por que não me matou? E por não mata agora?

-Por que gosto de você - falei, surpreendendo a mim mesmo.

Um leve sorriso nasceu nos lábios dela.

-Eu também gosto de você.

-Tem certeza? - Peguei suas mãos e ela se afastou um pouco - Porque quando toco em você, não sei se quero beijá-la ou... ou...

-Beija-me - disse ela, sem fôlego - Não pense na outra alternativa.

-Não posso. Se o fizer, não vai parar por aqui.

Callie se aproximou de mim.

-Mas você me salvou. Quando seu... irmão me atacou, você atirou a estaca nele. Apunhalou o próprio irmão. Por mim.

-Só na barriga, não no coração - observei.

-Ainda assim... - Ela colocou a mão em meu peito, bem onde antes ficava o coração. Fiquei tenso, tentando não inspirar seu perfume.

Antes que eu pudesse reagir, ela pegou uma agulha do bolso e furou o dedo indicador. Fiquei paralisado.

Sangue.

Só uma gota, como um único rubi, equilibrando ali, na ponta do dedo de Callie.

Meu Deus, o sangue de Callie. Tinha cheiro de cedro e do vinho mais doce. Comecei a transpirar no rosto e minha respiração falhou. Então meus sentidos se aguçaram e as presas latejaram. O medo apareceu nos olhos de Callie e se irradiou por seu corpo.

E, com a mesma subitaneidade, minhas presas se retraíram.

Caí de costas, ofegante.

-Está vendo? Você não é um monstro - disse ela com firmeza - Não como ele.

O vento ficou mais forte e o cabelo de Callie se agitou ás suas costas como as ondas no lago. Ela tremeu e eu me levantei, puxando-a para perto de mim.

-Talvez - sussurei ao ouvido dela, bebendo seu cheiro inebriante, minha boca a centímetro de seu pescoço. Não suportava contar a ela sobre as vidas que tirei, de como Damon pensava que o monstro era eu - Mas ele é meu irmão. E é por minha culpa que está preso.

-Quer que eu ajude a libertá-lo? - disse ela de forma decisiva, como se soubesse o tempo todo que nossa conversa chegaria a isto.

-Sim - respondi simplesmente.

Callie mordeu o lábio ao pegar uma mecha do meu cabelo, enrolando-a no dedo sem pensar.

-Mas não precisa fazer isso - Evitei seus olhos para saber que não a estava coagindo.

Ela me fitava com atenção, como se meu rosto fosse um código que ela pudesse decifrar.

-Daqui a dois dias - disse ela-, encontre-me á meia-noite. É quando Damon será transferido para nosso sótão.

-Tem certeza?

Ela fez que sim com a cabeça.

-Sim.

-Obrigado. - Segurei o rosto de Callie com as mãos em concha e me inclinei para a frente, encostando minha testa na dela. Então a beijei.

Enquanto ficávamos ali, de mãos dadas, peito com peito, eu podia jurar que senti meu coração recuperar a vida, batendo em perfeita sincronia com o dela.

sede de sangue -diarios de Stefan -vol.2Onde histórias criam vida. Descubra agora