𝖈𝖊𝖈𝖎́𝖑𝖎𝖆

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A gente se esqueceu, amor

Certeza não existe não

E a pressa que você deixou

Não vem em minha direção

DEPOIS.

Ana Flávia:

         Nosso casamento não desmoronou. Não ruiu de súbito. Na verdade, eu acho que tem sido um processo muito mais lento.

Ele vem se desgastando, digamos assim.

Não sei quem é o culpado. Realmente não sei. Começamos tão bem, mais confiantes que a maioria, seguros, nos amando e eu tenho a certeza disso. Mas ao longo dos anos, vacilamos. O mais incomodante é saber no quanto somos bons em fingir que não há nada acontecendo, que as nossas agendas não estão atrapalhando -embora tenhamos diminuídos ela o bastante para que possamos aproveitar nossa vida como casal-, que o desejo não é mais algo viciante, que as conversas não são mais longas durante a madrugada...

Somos parecidos em muitas coisas, e uma delas é a nossa habilidade em evitar as coisas que mais precisam de atenção.

Mas, Gustavo e eu não estamos zangados um com o outro, apenas não somos mais as pessoas que costumávamos ser. Às vezes, quando as pessoas mudam, nem sempre é perceptível no casamento, porque o casal muda junto, na mesma direção. Mas às vezes as pessoas mudam em direções opostas.

Olho para minha aliança de casamento e mexo nela com o polegar, girando a mesma constantemente ao redor do dedo. Ela era linda. Me lembro que ele fez questão de usar a mesma caixinha de chapéu de cowboy que usou em nosso pedido de namoro no pedido de casamento. Também continha gravado a frase de nossas músicas na parte inferior do anel:

Usando a contramão para cruzar a fronteira.

Observo meu anel em minha mão mordendo o canto inferior da minha bochecha, uma mania que eu havia pegado de Gustavo quando estava pensativo.

- O que está fazendo? - escuto a voz do meu marido invadir o quarto.

Levantei minha cabeça vendo o mesmo a entrar no quarto deixando suas malas no closet e voltando sua atenção para mim. Seus cabelos estão bagunçados e com os cachos rebeldes, era visível o olhar que cansaço que ele tinha. Ele intercala esse olhar entre eu e a caixa de madeira que estava em minhas mãos. Caixa na qual eu nem tento esconder.

- Leila achou essa caixa no quartinho, quando eu cheguei ela estava na mesa da cozinha.

Gustavo permaneceu quieto e agora seus olhos estavam completamente prendidos a caixa de madeira no meu colo.

Eu não sei o que tinha de tão importante nessa caixa, mas sei que das poucas vezes em que tocamos nesse assunto, o clima ficava completamente misterioso. Algo que Gustavo nunca fez questão de ser.

Desde o nosso início, ele sempre me contou tudo, até mesmo no dia em que nos conhecemos de verdade, ele me confessou algumas coisas e sempre foi muito verdadeiro em relação a tudo.

Esse era o nosso pacto. Nunca mentir um pro outro.

E essa atitude era estranha. Pra mim era estranha. Resolvo não prolongar o assunto e me levanto colocando a caixa na minha penteadeira. Quando me virei Gustavo já estava sentado na cama me observando.

- Chegou faz muito tempo? - perguntou.

- Algumas horas.

Ontem fizemos show em cidades diferentes, eu fui para Minas e ele Fortaleza. Saímos juntos durante a tarde e chegamos hoje, em horários diferentes.

O quarto se instalou num silêncio completo. Eu não tinha mais nada pra falar, e pelo visto Gustavo também não e isso começava a me incomodar.

Me incomodava porque era um momento em que os dois ficavam sem graça, e também porque se tivéssemos um filho, nosso apartamento não seria tão quieto e nosso casamento não estaria tão frio.

Mas isso não era algo que não nos incomodava. Temos uma vida difícil, nossas carreiras estão no auge nesse momento e ter um filho complicaria tudo ainda mais.

Porém isso não significa que eu não queira ter, eu só acho que ainda não estou pronta para ser mãe. Que nós, eu e o Gustavo, não estamos prontos para ser pai.

Primeiro precisamos restaurar o nosso casamento, e depois pensar em ter bebês.

Me aproximei de Gustavo, e senti um cheiro leve de cerveja. Tenho certeza de que se ele bebesse todos os dias, eu ignoraria o cheiro mas impossível. Gustavo raramente bebe cerveja durante a semana.

- Você bebeu? - apoiei meus braços em seus ombros. Observei ele suspirar e desviar o olhar.

Ele não iria mentir, óbvio, mas também estava torcendo para que eu não percebesse. Acho que se ele soubesse o quão louca eu sou por ele, saberia que eu nunca deixaria passar um detalhe sequer. Principalmente quando se trata do seu perfume, que foi a primeira coisa que eu gravei quando o conheci.

- Um pouco. Minha equipe quis sair pra comemorar o sucesso da nova música e eu fui junto, desculpa por não ter avisado.

Sustento seu olhar por um tempo, e observo que eles transmitiam insegurança e preocupação. Não sei a partir de que momento ele começou a ter inseguranças em nosso casamento, mas sei também que esse olhar não surgiu de repente. Nos encaramos por um tempo, e eu abro um meio sorriso me afastando logo em seguida.

- Está tudo bem Gu. Vai tomar um banho, vou preparar um café pra você e algo para comermos.

Ele se levantou devagar indo em direção ao banheiro, eu o observei por uns segundos até ele entrar mas o mesmo parou na porta e se virou para mim,

- Podemos jantar fora, o que acha? - sugeriu esperançoso.

- É melhor não Gu, estamos cansados e você já bebeu hoje. - ele assentiu meio derrotado e seguiu para tomar banho.

Suspirei mais vez, completamente cansada dessa rotina retórica que estamos vivendo e fui para cozinha.

É incrível como tudo parece ter mudado e ao mesmo tempo não. Somos os mesmos como pessoa, eu ainda o amo mais que tudo e tenho certeza de que ele me ama também, mas nos perdermos e estamos conseguindo mais nos achar.

E isso me deixa preocupada.



lembrando que, essa fanfic acontece em duas épocas diferentes. Uma no início do relacionamento deles e outra depois do casamento. Beijos, até mais tarde!

(ɪᴍ)ᴘᴇʀғᴇɪᴛᴏs, ᴍɪᴏᴛᴇʟᴀWhere stories live. Discover now