Capítulo IV

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Haiti – Seis anos antes

RICHARD

Acordo em uma sala com luzes fracas. Ao que me parece, estou na ala hospitalar. Há uma espécie de ardência em um lado do meu rosto. Tento levantar a mão, mas percebo que a mesma se encontra presa a tubos. Vejo um relance de uma sombra se movendo ao meu lado e ouço o barulho de uma pessoa se aproximando.

— Richard, que bom que você acordou! — Rodrigo suspira de alívio ao notar que estou acordado.

— Hã... Oi — respondo ainda meio desorientado.

— Eu já estava ficando preocupado com você.

— Eu? Por quê?

— Você não acordava...

— Do que você está falando? — Tento me sentar, mas uma tontura imensa não me permite. — Eu só me lembro da bomba e...

— Richard, você apagou por dois dias.

— Oi? Como assim? — Olho-o espantado. — O que aconteceu comigo?

— Aquele homem que explodiu a granada. — Ele suspira. — Tivemos seis mortos e oito feridos gravemente. E, graças a Deus, você não está entre os mortos.

— Mas estou entre os feridos. — Encaro-o. — O que aconteceu comigo? — repito.

— Você teve sérias queimaduras no lado esquerdo do rosto.

— Eu quero ver.

— Não, está enfaixado. Já estou cuidando disso.

— Tudo bem. — Suspiro. — E onde está o Diego?

— Ele sobreviveu àquela primeira granada, mas... — Ele abaixa a cabeça.

— Mas o quê? Teve outra granada?

— Ontem. — Suspira. — Tentaram entrar na ala hospitalar. Ele foi nos defender e levou os rebeldes de volta para fora, mas assim que chegou lá, outra granada explodiu. Richard, ele morreu.

— Não acredito nisso. — Respiro fundo. — Eles vão pagar por isso. — Sento na cama.

— Richard, cuidado, você não pode fazer esforço. Depois de amanhã voltaremos para o Brasil. Fomos autorizados a partir com antecedência.

— Pelo menos isso. — Suspiro.

De repente, o alarme dispara.

— Outra invasão — comenta o Rodrigo.

— Eu vou lá ajudar! — Tento me levantar.

— Não, Richard! Você não pode! — Ele me segura.

— Eu vou sim.

— Não vai.

— Vou! Sai da frente, Rodrigo.

— Não.

— Rodrigo, por favor.

— Não, Richard. — Ele pega uma seringa e antes mesmo que eu compreenda o que está fazendo, aplica em meu braço. — Agora durma.

— Rodrigo, você não fez isso! — Rosno de raiva.

— Você tem que descansar.

— Já descansei por dois dias! — Tento me levantar, mas meu corpo já não me obedece mais e começo a me deitar. — Rodrigo!

— É para o seu próprio bem! — ele diz enquanto eu durmo mais uma vez.

XXXX

Ouço o barulho de vozes apressadas e macas sendo empurradas. Finalmente acordei novamente. Olho para o lado e vejo que há um homem em roupas brancas deitado na maca próxima à minha. Um dos médicos sai da frente e vejo que o homem deitado ali é o Rodrigo. Levanto-me com certa dificuldade, arrancando os cabos que me prendem e indo até o mesmo.

— Richard, o que está fazendo? — Ouço alguém dizer.

— Saiam da frente! — digo apressado, indo até meu amigo e o encontrando com uma bala alojada no peito. — O que houve com você? — pergunto quando percebo que o mesmo ainda está consciente.

— Rebeldes... — ele diz em um sussurro. — Tiro...

— E o que você foi fazer lá fora?

— Proteger você. — Ele suspira.

— Você é maluco!

— Richard... — Ele estende a mão, entregando-me um papel meio gasto e dobrado.

Abro o papel e vejo que é uma foto de uma menina bonita em seus 13/14 anos e uma mulher com um pacotinho enrolado em seu colo. Creio que sejam Isabelle, Rebecca e Isabel, suas filhas e sua esposa respectivamente.

— O que você quer que eu faça? — Olho-o assustado. — Por que me deu isso?

— Richard... — Ele respira fundo. — Cuide delas pra mim, as ajude.

— Eu vou cuidar, mas você também vai! Seja forte!

— Não dá... Dói... muito. — Suspira. — Cuide delas, Richard... Cuide delas — ele diz isso fechando os olhos.

Ouço um dos barulhos mais temidos pelas pessoas, o barulho do monitor cardíaco, aquele bip prolongado, avisando que o homem à minha frente, meu melhor amigo, faleceu.

— Façam alguma coisa! — grito.

— Richard, não há nada que podemos fazer. Ele já se foi — comenta um médico do outro lado da maca.

— Não! — grito e me viro para o Rodrigo. — Eu vou cuidar delas para você, prometo — digo para o corpo sem vida. — Eu vou!

Choro na frente de todos. Meu pai sempre me disse que homens não choram. E depois do meu período de infância, realmente nunca mais chorei. Até este momento. Saber de duas perdas no mesmo dia de pessoas importantes para mim... A dor é grande demais para eu conseguir suportar.

A Primeira PétalaWhere stories live. Discover now