Capítulo XV

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Estados Unidos – Cinco anos antes

RICHARD

— Ele já está acordando — diz uma voz um pouco distante.

— Será que desta vez a operação deu certo? — pergunta outra voz.

— Não sei, espero que sim. Só o doutor pode nos dar essa informação — fala a primeira voz, que reconheço ser da minha mãe.

Abro meus olhos e tento me acostumar à luz branca da sala de operações. Não sei quanto tempo durou o efeito da anestesia e nem por quanto tempo dormi, mas espero que desta vez esse médico tenha consertado o meu rosto.

Desde que fiquei deste jeito, eu me sinto um monstro e ser assim não tem nenhum ponto positivo. Pode parecer fútil e até que ligo mais para a aparência do que qualquer outra coisa, mas a vida me faz ser assim. Por mais que eu tente me convencer de que está tudo bem, que são só algumas marcas no rosto, sempre vem a vida e me mostra que todo mundo se importa mais com meu físico do que com quem eu sou. As mulheres correm de mim, sempre. Toda vez que veem meu rosto, gritam, enojam-se e tentam me humilhar.

Os únicos que provavelmente não estão nem aí para aparência, já que também possuem várias marcas por seus corpos, tudo por culpa da guerra, são meus colegas do exército, ou melhor. Porém, eles estão muito ocupados com suas famílias para se lembrarem de mais um deformado.

— Filho? — pergunta minha mãe com cautela. Não a respondo, somente a encaro com o olhar. Não estou disposto a falar e nem sei se já consigo. — Como você está se sentindo?

— Bem — sou forçado a respondê-la, mas falo baixo e um pouco falhado.

— Está com dor?

— Anestesia.

— Pelo tempo que a operação levou, você deve estar com o rosto perfeito — comenta meu pai, que está encostado em uma das paredes do quarto. — E pelo preço também.

— Michael! — repreende minha mãe. — Sério que você quer discutir valores sobre a operação do seu filho?

— Eu não. — Ele dá de ombros. — Só espero que esse médico tenha feito um bom trabalho. Já chega de toda hora ter que trazer o Richard para operações.

— Eu que o diga — comento.

— Vou chamar o doutor — diz meu pai, virando-se para a porta. — Vou avisar que você já acordou. — Sai do quarto.

— Como estou? — pergunto.

— Não sei, filho. Você está com o rosto enfaixado.

— Ah é, esqueci desse detalhe.

— Você está apagado por...

— Não — a interrompo. — Já estou cansado de saber de prazos, de anestesia, de tudo. Quanto menos informações você me der, eu agradeço.

— Tudo bem. — Ela suspira.

Ficamos em silêncio por algum tempo até que meu pai retorna ao quarto trazendo junto o cirurgião plástico.

— E aí, doutor? — pergunta minha mãe.

— Calma, vamos remover as ataduras agora — ele diz, mas não muito confiante.

O cirurgião vem em minha direção e começa a remover as ataduras. Fico em silêncio e de olhos fechados. Não quero ver a reação dos meus pais quando verem o resultado, ainda mais quando tenho certeza que não ficou perfeito.

— Ah, Richard... — minha mãe diz.

Abro os olhos com cautela, mas ao invés de olhar para ela, foco no doutor.

— Deixe-me adivinhar, de nada adiantou sua cirurgia — falo.

— Não é bem assim — diz o doutor. — Seu rosto ainda está muito inchado e só com o passar do tempo vamos ter certeza de como ficou, mas o que posso adiantar é que você melhorou bastante, mas cem por cento... Acho que nunca vai conseguir isso.

— Como eu estou? — pergunto ao meu pai. Talvez o único na sala que não mentiria para simplesmente me agradar.

— Melhorou talvez uns dez, quinze por cento, é difícil dizer por conta do inchaço. Mas, vamos ser honestos, você nunca vai conseguir voltar a ter o rosto de antes. Já falei isso com sua mãe várias vezes, mas ela insiste em te fazer passar por essas palhaçadas. — Ele bufa. — Satisfeita, Carolina?

— Ele está melhor — diz minha mãe, um pouco incerta. — Claro que não está perfeito, mas está melhor.

— Vou deixar vocês a sós, com licença — diz o doutor. — Em breve uma enfermeira virá aqui para refazer os curativos. — Ele anda em direção à porta e para de repente. — Juro que fiz o melhor que pude. — Suspira.

— Tudo bem, doutor — fala minha mãe. — Eu acredito nisso.

O médico dá um pequeno sorriso para ela e sai do quarto.

— Satisfeita? — digo para ela enquanto reviro os olhos.

— Eu achei que isso seria bom para você, filho. Você sempre foi apegado à sua fisionomia. Só queria que se sentisse bem, que fosse aquele homem lindo de novo. — Ela suspira. — Não que esteja feio agora, mas você sabe que não está como antes — acrescenta.

— Eu pareço um monstro — comento. — Chega dessa palhaçada. Sinceramente, acabou. Esta foi a última cirurgia que faço. Não quero saber se o cara se formou em Harvard, estudou no Japão ou seja o que for. Acabou. — Suspiro. — Já está na hora de você se conscientizar que eu não tenho jeito. Eu serei assim para sempre e acabou. Aceite isso que vai doer bem menos. — Olho-a nos olhos. — Meu pai já aceitou isso, minha irmã já aceitou eu já aceitei. Você é a única no meio disso tudo que ainda se ilude com essa história.

— Filho... — ela tenta falar, mas eu a interrompo.

— Chega. Acabou.

A Primeira PétalaWhere stories live. Discover now