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Eu desvio o olhar do rosto dele e meu campo de visão é bombardeado pela pedra verde em dedo, imagens de Tomaz cortam o meu pensamento e tudo que eu consigo sentir em volta do meu corpo são os braços do califa me acalentando no dia em que ele me salvou do contaminado após eu matar minha restauradora. Talvez toda essa doçura súbita ao qual senti por Felipe nos últimos instantes foi apenas fraternal, eu tinha uma irmão e o senso de humor do humano me lembrasse aquela peste que me atormentava todos os dias.

- Eu acho que o teleguiado encontrou. - eu sou tirada de meus devaneios pela voz do humano.

- Sim - concordo olhando para o painel - Está pronto para isso?

- Estou! - ele diz com clareza e eu suspiro fundo antes de apertar o botão.

A imagem que preenche a tela não é a esperada, a mulher elegante e sofisticada da foto está sentada em uma poltrona em uma varanda, é provável que o teleguiado esteja camuflado, o estranho é que a mulher está muito diferente da foto. Está com uma feição acabada e um ar de derrota e funga sem parar agarrada a uma camiseta de time de futebol.

- O que? - ouço Felipe exclama surpreso - O que aconteceu com a mamãe?

- Meu bebezinho, meu Lipe... Onde você está? - ele diz entre os soluços e lágrimas grossas são despejadas dos olhos.

- Sim... Nós estamos no litoral francês e eu quero que continuem a procurar meu filho - o homem da foto aparece falando no celular, ele está usando um suéter e tem escuras olheiras - Não quero saber de minha mãe, quero que encontrem meu filho ... Ele é a prioridade... Não me importo se não tem pista, eu estou pagando e pagando caro cumpram a obrigação! - ele desliga o celular e vai em direção a esposa.

- Nos devíamos ter dado mais atenção ao nosso garoto, Álvaro, ele era nosso menino e nós o ignoramos. - a mulher continua chorosa.

- Eu sei querida, eu me arrependo muito... - o homem se senta na poltrona ao lado.

- O que a namorada dele disse? - ela pergunta esperançosa.

- Ela disse que ele foi até a casa dela com uma garota esquisita e pegou o cachorro sem dizer para onde ia. - o homem responde.

- Pai? - uma voz aguda chama e em segundos a garota alta e bonita da foto aparece - Alguma notícia?

- Nenhuma novidade. -  a mulher responde.

- Ele deve estar bem, talvez possa ter fugido. - a menina tenta tranquilizar o casal.

- Não eu não fugi, eu fui sequestrado para longe de vocês! - é Felipe quem fala e se afasta da tela com as mãos na cabeça - Por que eles estão fazendo isso? Me amando quando eu já não estou mais presente, quando já me perderam?

- Eu sinto muito. - falo baixinho.

- Não sinta Lyra, não é culpa sua, a culpa é deles! - ele grita apontando para a tela - Eles me excluíram a vida toda e agora que eu sumi, eles vêm com esse vitimismo.

- Felipe, eles amam você, talvez tenha sido indulgentes , mas...

- Mas? Mas me rejeitaram a vida toda!

- Tente entendê - los - ponho as mãos para cima -  Seu pai foi torturado por sua avó e era com ela com quem você tinha maior afinidade.

- Eu não quero mais ver isso!- ele vai em direção ao painel e desliga a tela fazendo antes com que o teleguiado comece o trajeto de volta.

- Felipe...

- Vá embora, por favor! - ele exclama.

- Não, eu vou ficar. - eu cruzo os braços.

- Vá embora! - ele grita - Vá planejar a porcaria de seu casamento e me deixe em paz, eu quero ficar só.

                              *****

Eu estou deitada na minha cama encarando meu anel, assim que sai do quarto do humano vim pisando forte para o meu, horrorizada com a grosseira dele para comigo. Eu só queria ajudar e ele me trata daquela maneira, talvez seja da natureza dele ficar sozinho.

A luz da estrela mãe bate em meu rosto estou um pouco cansada, mas levanto imediatamente sei da minhas obrigações e ele inclui uma nova remoção de amostra na Terra, desta vez tenho que pegar um exemplar mais jovem e não faço a menor ideia de quem pode ser. Só espero com todas as minhas forças que não seja ninguém que eu conhecia.

Levanto e faço minha higienização da maneira do Conselho, desço as escadas lembrando da crítica do humano em relação a existência de uma elevador para uma casa com apenas três andares. Vou a cozinha e abro a geladeira mesmo sabendo que ela está vazia, pois eu não pedi nada. Sou surpreendida por um refratário no meio do vazia eu o pego e bilhete cai.

" Sinto muito pelo dia anterior, eu fui grosseiro . Espero que goste do sabor sintético."

O bilhete vinha assinado por Felipe e quando eu abri o pote, nata goiaba em forma de sorvete me esperava sorri e o perdoei imediatamente. Ele deve ter feito o pedido ontem, apenas assim para está hoje de manhã. Depois de tomar metade do pote vou em direção ao quarto dele para agradecer, mesmo que o sabor do sorvete fosse um pouco sintético ele havia me levado de volta ao passado e era de longe a sobremesa favorita , faltou apenas o salgadinho de queijo.

O quarto está vazio ele deve ter ido para o instituto de tecnologia, vou para a minha cápsula de forma monótona a minha cabeça ainda está girando com todas essas coisas, inclusive com o anel em meu dedo que eu não consigo para de encarar em determinados momentos. Quando me dou conta já estou na frente da Central, só então eu me lembro do  Conselheiro e um frio percorre minha espinha.

- Oi. - meu coração se aquece.

- Tomaz! - me viro com um maldito sorriso bobo que insiste em se abrir.

- Se está usando o anel é porque ...

- É porque eu penso na possibilidade de aceitar. - a possibilidade de negar passou longe, mesmo com o que Tomaz fez pondo tudo em uma balança as coisas boas superam as más.

- Sério?!- ele abre um sorriso sedutor que orna com os impenetráveis olhos- Eu prometo ser alguém melhor se você aceitar, ser mais maleável... - ele falava como uma criança de sete anos que tenta convencer a mãe a deixar levar do cerial mais doce.

- Mas será que seria a coisa mais inteligente a se fazer, quero dizer  com toda essa situação e tudo mais, e nós mal nos conhecemos.

- Não se mede um sentimento pelo tempo e se fosse inteligente não seria amor, seria pensamento ou racionalidade. - ele me olha profundamente enquanto ainda estamos naquele hangar.

- Eu queria conversar mais, porém nós temos muito o que fazer, temos que recolher uma nova amostra. - eu digo e ele concorda.

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Oiii!
O capítulo foi mais curto, mas em minha defesa o próximo vai ser uma surpresa.

Obrigada!

EXTINÇÃO Where stories live. Discover now