A felicidade que atrapalha

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Segundo pesquisa, o brasileiro é o povo mais feliz do mundo. Para muitos de nós, isso é motivo de orgulho. Eu tenho cá minhas dúvidas. Sentir-se ou dizer-se feliz, quando nos dão motivos para o contrário, será esperteza ou autoengano? Seja como for, isso só me veio à mente após uma conversa trivial, na véspera da estreia do Brasil na copa do mundo em que fomos anfitriões. Na tal conversa, argumentavam " Agora, não adianta mais lutar contra. O dinheiro que tinham que roubar, já foi roubado. Nós temos é que aproveitar, torcer, beber, fazer festa... ". Tá certo, temos tradição festeira, coincidentemente, como ocorre em muitos países africanos, cujo IDH tem a dimensão de um ácaro.

A maioria das pessoas ignora o caráter positivo da insatisfação. É o caráter motivador, transformador de quem está indignado que provoca mudanças. A insatisfação que se acumula é tão rara no Brasil que, quando explode, causa espanto, como na primeira das manifestações populares recentes. Vem sem controle, tão involuntária quanto um espirro, por isso imprecisa e sem direção. Mas, como acumular insatisfação, quando até a farra com o dinheiro público serve de motivo pra se fazer um churrasco? Não que falte sofrimento ao brasileiro, o que falta é consciência desse sofrimento. A todo instante, a sociedade recorre a válvulas de escape, que bondosamente nossas autoridades nos proporcionam para amenizar o peso da cruz que carregamos. Shows de graça! Quem banca é a prefeitura!

Todos nós precisamos buscar momentos prazerosos, senão de que vale viver? Quando isso é individual, ao menos, temos noção de que aquilo realmente é importante pra nós, partiu de nós. Predileções, manias, diversões ou vícios cada um tem os seus. Em certos momentos, só eles tornam a vida suportável. O maior problema são as válvulas de escape coletivas. Nelas, há quase uma obrigatoriedade implícita de sentir-se feliz. E ai do "espírito de porco" que se oponha! Já na linguagem mais polida das autoridades, somos os "pessimistas de plantão". A culpa deve ser deste meu péssimo hábito de só rir, quando vejo motivo.

Não quero fugir da responsabilidade que também é minha, por isso confesso que minha válvula de escape me deixa tão inerte quanto qualquer um, no entanto me deixa um saldo positivo: a vergonha de quem já teve algum ideal revolucionário. É essa vergonha que me impede de aplaudir um espetáculo em que eu mesmo sou o palhaço. Ah, se essa vergonha fosse coletiva... Às vezes, sinto inveja daquelas almas puras e felizes que atiram pedras contra a Lua.   

Garrafa de  náufragoWhere stories live. Discover now