O politicamente correto

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O politicamente correto não é só mais um cara chato. É pior do que isso. Ele oscila entre a hipocrisia e o autoengano. Um fiscal da consciência alheia, que coloca rótulos tão pesados, quanto os que ele critica. Ele é um caçador de preconceituosos, machistas, racistas, reacionários, homofóbicos e afins. Ao patrulhar os pensamentos, vê nas terminologias traços indeléveis dos malfeitores, mas se esquece de que, no discurso, todos se traem, inclusive ele. Parece que o vejo treinando no espelho: "mas que atitude discriminatória foi essa contra os def... especiais." (disfarçando estar sem graça pela escorregada, se mostra ainda mais indignado)

A questão da representatividade é a menina dos olhos dos politicamente corretos. Só que essa teoria de "só quem passou sabe..." se desmancha como papel na água. Se isso fosse verdade, teríamos que esquecer tudo o que cazuza falou contra burguesia, já que ele fazia parte dela. Deveríamos então ignorar as letras de Gonzaguinha, quando o compositor vestia a pele feminina e traduzia sentimentos que chocavam as próprias mulheres pela veracidade. Quem seria louco de dizer que esses artistas tomaram espaço de pobres ou de mulheres que deveriam falar de seus problemas com maior propriedade?

É óbvio que não se pode sentir a dor alheia. A dor é individual, não é coletiva, nem que a coletividade seja uma raça, um sexo ou uma classe social. Entretanto é possível se colocar no lugar do outro sim. Infelizmente se condoer do sofrimento de alguém não é comum como deveria ser, no entanto é o traço que nos torna mais humanos. Quem acredita que um mascaramento hipócrita resolve, separa mais do que agrega e se dá por satisfeito, por exemplo, ao eleger presidentes negros, pobres ou mulheres. Pois, segundo essa teoria, só quem sentiu na pele a exclusão, poderá agir diferente da elite dominante. Acredito que, na política, tivemos provas recentes de que isso não é verdade.

Garrafa de  náufragoWhere stories live. Discover now