O primeiro beijo

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Foi no colégio. Mais precisamente nos fundos de um centro espírita em obras que fazia divisa com o colégio em que estudava. Hoje sei que era um colégio público minúsculo, mas nas minhas lembranças era do tamanho do mundo. A passagem estreita entre as pilhas de tijolos que nos encobriam dava o ar de proibido necessário. Tínhamos apenas o horário do recreio. Um primeiro beijo deveria ser algo individual, pessoal, mas não foi. Na verdade, foi um evento do qual participaram quase todos os alunos da 3ªsérie do primário. Isso mesmo: do primário, atualmente, fundamental I. Se, hoje, crianças de oito anos se beijando já parece precoce, o que dizer de crianças dos anos oitenta fazendo isso? Mas não pensem que havia maldade, pois não havia. Estávamos apenas brincando de adultos, provavelmente, imitando um filme ou uma novela. Se a inspiração vinha da tela, penso agora que eu parecia o protagonista de uma peça de teatro. Várias meninas e alguns meninos dirigiam a cena. Nos posicionaram frente a frente. Lembro que eu estava duro de medo, sem a mínima noção do que estava fazendo. As "assistentes de palco" colocaram os braços dela esticados com as mãos sobre meus ombros. Pegaram minhas mãos e colocaram na cintura dela. Penso agora que a distância entre nós era absurda e isso devia tornar a cena hilária. Inicialmente, encostamos nossos lábios, mas algo não ia bem. Incompatibilidade de narizes, ou melhor, esticamos os pescoços para frente, mas não inclinamos nossas cabeças. "O pessoal de apoio" logo corrigiu o erro, permitindo que nossos narizes não atrapalhassem. Lembro que ficamos alguns segundos nessa posição e fiquei vendo suas pálpebras mexerem. Então mandaram eu fechar os olhos. Obedeci. Pena é que as lembranças são tão remotas que sinto estar perdendo vários detalhes. Lembro que ela era loirinha, mas não faço ideia dos nomes, seja do dela ou de qualquer outro colega. Talvez, a maior raiva seja que não lembro bem o que senti no momento do beijo. Em compensação, recordo que ganhei tapinhas nas costas dos colegas e saí dali, me achando uns vinte anos mais velho. Não lembro como começou, nem como acabou nosso namoro, mas lembro perfeitamente do cheiro horrível do peixe que serviam na merenda. Vai entender a memória?!


Garrafa de  náufragoOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz