A palavra "cão" não morde

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A palavra "cão" não morde

As palavras com carga semântica negativa estão sendo trocadas, com frequência, por outras de carga positiva, como se isso interferisse nos nossos conceitos. Esse é o tal do "politicamente correto", que já é uma versão atual para a velha hipocrisia que nos acompanha há muito tempo. Portador de deficiência agora é especial ou excepcional. O significado de "especial" é "fora do comum", com carga semântica positiva. Depois da mudança, será que alguém quer ser especial dessa forma? Mesmo sabendo que portadores de deficiência são capazes, produtivos e deveriam ter os mesmos direitos de outros cidadãos, não é uma condição desejável. Na prática, negam-lhes a acessibilidade entre outros direitos, porém lhes dão um nome novo. Nunca me liguei na diferença entre negro e preto. Então ouvi: preto não! Preto é cor, negro é raça. E branco? É o quê? Devo exigir que me classifiquem de caucasiano? Favela agora é comunidade, mas ninguém trata seus moradores como comuns. Por falar nisso, uma delas aqui no Rio, O Dona Marta, virou Santa Marta, mas não aconteceu nenhum milagre pela simples troca do nome. E a mulher, pela primeira vez presidente do país, feminista, gostava de ser chamada "presidenta". Melhor chamá-la de conivente, que engloba inescrupulosos de ambos os sexos. Na contramão, a poetisa que prefere ser poeta, como se o nome feminino a tornasse menor. Isso sem falar nos LGBT, sigla que nunca acerto. Confesso que pesquisei antes de escrever. Imagina atribuir os nomes certos a tantos gêneros. Apelo para a frase de Aristóteles: "A palavra 'cão' não morde." A busca de uma nova palavra não abala em nada o preconceito, nem a discriminação, apenas tenta camuflá-los. O importante é tratar a todos de forma digna e respeitosa e tentar "trabalhar" o preconceito que ainda possa habitar em nós. Alguém pode dizer: "mas pra você é fácil falar. Não é na sua pele." Vamos lá. Não sou negro, não sou gay, não sou deficiente, não sou mulher. Muito menos sou melhor que qualquer um dos rótulos que eu citei. Será que por não participar de algumas listas de vítimas de preconceito não posso me colocar no lugar do outro. Será? Vejamos uma lista de "malvistos" da qual faço parte (há outras). Como sou brasileiro, para grande parte dos europeus e norte-americanos sou algo próximo de um índio, moro numa selva e meu Q.I. é limitado. A palavra "brasileiro" ,proferida por bocas do primeiro mundo,vem cheia de preconceito. Isso é bom? Não. Se trocassem esse nome "brasileiro" por algum outro melhoria o conceito que têm de mim? Não acredito. Será que um dia esse conceito vai mudar? Não sei. Só garanto que o que me nomeia não me define. Intolerável, hoje, é um tratamento discriminatório e isso não se dá no campo das palavras e sim no das ações.



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