As primeiras impressões da vida na caserna

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Não entrei para vida militar por vocação. Para mim era um emprego com estabilidade. Por isso, nunca fui aquele que vestia a camisa da instituição, ou melhor, a farda. Passei no concurso para sargento e isso sim, para mim foi uma realização. Bem diferente da maioria dos que estavam lá, porque tinham algum parente na Força ou no mínimo um sonho que envolvesse a farda. Nada contra a farda em si. Dela eu até gostava. Principalmente porque as mulheres gostavam. Como eu era bem jovem, certas "vantagens" ainda me atraíam, como poder andar armado, chamar atenção aonde quer que eu fosse. Lembro-me de uma vez em que desviei a rota de uma missão, para passar num local onde trabalhava uma garota que eu queria "pegar", todo fardado e com a viatura cheia de soldados, só para impressioná-la. Em outra ocasião, numa noitada com amigos também militares, todos um tanto bêbados, cheguei ao ridículo de dar "carteirada" em um forró. Acho que só entramos porque o pessoal da portaria teve pena. Esses, no entanto, foram episódios raros de empolgação inicial. Hoje, julgo que aquela falsa sensação de poder era boa por estar atrelada à testosterona em excesso e em pouco tempo não subiu mais à cabeça. Como eu, havia também alguns para os quais a vida militar era uma simples contingência. Muitos desses, no entanto, se transformaram em militares de verdade em algum momento do processo e nem notaram. Eu sempre tive medo disso.

Podia-se constatar essa mudança em alguns de nós, logo assim que nos formamos. Enquanto alunos, sofríamos desnecessariamente com alguns superiores que impunham punições injustas ou castigos desumanos. Depois de formados, na tropa, muitos reproduziam esse comportamento cruel com os recrutas, como se repassando aqueles maus tratos, fosse possível se vingar do que se sofreu. Estava formado um círculo vicioso que era incentivado no meio militar: subserviente com os superiores e arrogante com os subordinados. Nunca me enquadrei nesse perfil.

Não acredito que essa metamorfose seja exclusiva da vida militar, mas penso que seja mais comum entre os militares porque essa é uma carreira peculiar. Tem leis próprias. Não falo de regulamento interno, pois toda instituição tem um. Falo de leis, julgamentos, juízes e prisão. Além de tudo é um meio fechado que, por pretensas questões de segurança nacional, não é aberto à opinião pública. De alguma forma o seu comportamento dentro e fora do trabalho é observado e controlado de perto. Isso impede que você amplie seus horizontes e se você deixar, seu universo pode se limitar a um quartel.

É engraçado como, mesmo de ambientes inóspitos, podemos levar boas lembranças. Lembro da afirmação de Dostoiévski: "A melhor definição que posso dar de um homem é a de um ser que se habitua a tudo." Passei dez anos lá. Poderia passar os trinta necessários para entra para a reserva, mas tive a oportunidade de sair antes. E durante o tempo que passei lá, consegui preservar meu modo de pensar.

Entre as lembranças daquele tempo que podem parecer desastrosas, mas que gosto de tê-las, tenho a da primeira formatura, assim que entrei na escola de formação. "Pelotão Juliet, todos em forma, em cinco minutos no pátio entre os alojamentos." Recebi o fardamento. Um coturno com aproximadamente 178 furações para passar o cadarço. Recebi as bombachas. Para mim era um simples par de elásticos torcidos, mas não fazia ideia de para que aquilo servia. Enfiei as calças por dentro dos coturnos, coloquei as bombachas no bolso e corri para entrar em forma.

A imobilidade numa formatura é um poderoso teste ao autocontrole. Você sente coçar partes do corpo que você nem lembrava que existiam. Aquela gota de suor que escorre pelas costas, os insetos que pousam sem cerimônia no nariz ou nas pontas dos cílios. Depois de meia hora na mesma posição a dormência dos membros chega a ser uma recompensa. Pelo menos até que você precise deles para fazer movimentos rápidos e precisos, mantendo uma postura marcial. Como prestar continência com giro de cabeça, se você não sente sua mão?

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