O erro do urubu é pensar que o boi está morto

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Rio, 04 de dezembro de 2016


É muito difícil encontrar uma manifestação popular que me motive a sair de casa. Hoje, porém, senti vontade de mostrar que estou vivo. Acho que por isso amanheceu chovendo na cidade e Copacabana não lembrava em nada aquele ambiente turístico dos dias ensolarados. Durante quase um ano, divulguei a estranhos, conversei com alunos, debati com amigos sobre um conjunto de medidas que poderia trazer luz ao sombrio ambiente da corrupção na política: "AS DEZ MEDIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO" Com esse destaque até parece que estou falando dos dez mandamentos bíblicos, mas não é. Dou essa ênfase porque é tão difícil ter alguma expectativa boa , quando o assunto é política, que até corações cansados como o meu teimam em bater um pouco mais forte diante do menor fiapo de esperança. Até pensei que aquela vontade de ver mudanças jazia em algum lugar desde os anos oitenta. Na verdade, não morreu. Estava apenas dormente embaixo do peso da realidade. Ela reaparece, logicamente, sem muita empolgação. Os organizadores do evento, por exemplo, teimam em dizer que não há partidos políticos por trás da manifestação. Essa é uma mentira na qual eu gostaria de acreditar, mas minha ingenuidade não é tão grande. Isso também não me é fundamental, desde que eu não vejas as siglas horrendas de qualquer partido na minha frente. O importante é ver que alguém se importa, ou seja, é ver gente indignada na rua lutando por uma causa justa e poder fazer parte disso. Mesmo sabendo que alguns estavam lá só pra tirar selfies , ainda assim o saldo é positivo. O que me motivou não foi o " fora, fulano!" ou "cadeia, beltrano!" (que gritei inclusive.) É óbvio que esses ladrões repugnantes têm que perder seus mandatos. É lógico que eles devem ser presos. No entanto o mais importante é reagir contra a deturpação de um mecanismo, uma ferramenta capaz de impedir que, no futuro, outros deles saiam impunes como os atuais. E nós sabemos que muitos outros vão surgir. Ladrões passam, leis ficam. Provavelmente amanhã, os políticos cujas cabeças foram pedidas nas ruas hoje, dirão que apoiam tais manifestações democráticas com uma desfaçatez digna de ânsias de vômito. Cabe a nós estar atentos, guardar na memória e divulgar seus nomes para deixar marcado na testa de cada deputado ou senador que participou ou participará dessa afronta à população a marca da vergonha que deve acompanhá-los para sempre.

Ricardo Félix


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