Capítulo XVI

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Lorde Zaffir estava cansado. Em comparação aos outros Élderes, ele era jovem, seu pai fez parte do conselho e no dia de sua morte, Zaffir herdou a posição. Embora jovem, treinou a vida inteira para ser capaz de ocupar a liderança de seu clã. Seu pai e o general Isaque Borislav eram amigos de infância e Lorde Zaffir tinha orgulho de ter herdado a amizade que o General tinha por seu pai. Zaffir tinha pouco mais de vinte anos quando seu clã sofreu um terrível ataque que havia pego todo o clã desprevenido. Não tinham inimigos e estavam comemorando a notícia da vinda de mais um herdeiro. Sua mãe tinha acabado de descobrir que estava grávida.

A gravidez entre Upyrs era uma raridade, sendo motivo de grande alegria e celebração. O próprio Zaffir estava contente com a perspectiva de ter uma criança no castelo, um irmão para que pudesse mimar e treinar. Mas o que era para ser um dia de alegria terminou em uma noite de tragédia. Tantas mortes... 

Zaffir ainda podia sentir o cheiro de morte, de fumaça, de desespero. Foram atacados por rogues, selvagens sem clã, sem raça definida, transformados em lobos como em histórias de terror de humanos... Zaffir ouviu os gritos de sua mãe, mas estava sob ataque e mal podia se defender. Vinte anos para um Upyr é bem jovem e inexperiente. Seu corpo estava coberto por seu próprio sangue, as pernas contorcidas de forma nada natural, ossos quebrados,e, em algumas partes, estilhaçados. Foi salvo por Isaque Borislav e a ele devia a própria vida. Seus pais não tiveram a mesma sorte... 

Isaque tomou o lugar de seu pai e continuou como líder e intensificou seu treinamento com mais rigor e convicção, em poucos anos Zaffir ocupou finalmente seu lugar de direito.

Dedicação e esforço fizeram de Zaffir um poderoso Lorde, amado por seu povo, conhecido como Zaffir, o Justo. Via seu clã como a única família que tinha. Procurava tratar a todos com justiça e equidade. Até que, ao visitar um clã parceiro comercial, conheceu Ester e no primeiro toque de olhar suas almas se reconheceram.

Os humanos chamariam o modo como se apaixonaram de "amor a primeira vista" e agora ela estava grávida de seu primogênito e nada poderia fazê-lo mais feliz.

No entanto, durante todo o tempo em que o conselho estava reunido, Lorde Zaffir não se sentia nem um pouco feliz, pelo contrário, sua intuição gritava que algo estava errado. Seu tão famoso "sinal vermelho" mais parecia um holofote exigindo atenção: cuidado! Perigo! E quanto mais a reunião se desenrolava, mais certeza ele tinha de que aquela sensação ruim não era devido a tempestade de neve que se aproximava de seu território, mas de algo muito maior e que estava relacionado àquele concílio.

Algo não cheirava bem e alguém ( ou seria no plural?) não era exatamente o que parecia ser. Zaffir olhou um por um dos membros do conselho, na tentativa de identificar algum indício de falsidade, mas tudo parecia normal. Os pares de olhos ao redor da mesa variavam de um intenso azul (Relativo aos Upyr que não consumiam sangue de espécie alguma) a um castanho amarronzado (Relativo ao consumo moderado de sangue animal ou humano). Os Upyr que consumiam sangue humano geralmente o coletavam em hospitais ou centrais de doação de sangue. Causar a morte de um humano para se alimentar era mal visto entre os Upyrs. Entretanto, ao não consumir sangue humano, o Upyr envelhece. Seus olhos se tornam azuis e seu corpo passa a sofrer as ações do tempo, embora em nada diminua o poder desse Upyr, tanto o de nascença, quanto o adquirido.

Lorde Zaffir se despediu dos membros do concelho e se retirou para seu quarto. Alguns se retiraram de sua mansão e seguiram caminho para seus devidos clãs, outros preferiram passar a noite, aceitando o generoso convite que haviam recebido.

Ao entrar em seu quarto, respirou aliviado. A essência da esposa tinha o poder de acalmar seus nervos, e vê-la dormir tranquilamente o fez sorrir, satisfeito. Depois de se trocar e lavar o rosto, deitou-se ao lado de Ester e suspirou.

Amava a esposa com toda a força de seu coração e nenhuma imagem poderia ser mais bela do que a imagem dela grávida. Seu ventre desenvolvido já se fazendo notar e dentro seu filho e herdeiro, fruto do amor que ambos sentiam um pelo outro.

Zaffir se posicionou ao lado da esposa, a cobriu com o edredom e pousou a mão sobre sua barriga. Ela abriu os olhos e se virou para o marido. Seu olhar, embora sonolento, refletia a admiração que sentia por aquele homem.

Ester sempre se perguntava o que havia feito de bom na vida para que merecesse um marido tão amoroso e atraente. Sem saber que ele se fazia a mesma pergunta todas as manhãs ao acordar em seus braços. O que ele, Zaffir, havia feito de tão maravilhoso para merecer o amor daquela mulher?

— Desculpe, Ester, não tive a intenção de te acordar.

— Não tem problema, marido. Tentei te esperar acordada, mas a gravidez me faz sentir mais sono que o normal.

— Fez bem em dormir, não deveria nem ter tentado me esperar, sabe que precisa descansar pelo nosso bebê.! — Comentou puxando-a mais para perto de si, até que as costas dela tocassem seu peito.

— Eu sei, mas senti sua falta sozinha na cama...

— Também senti sua falta! — Respondeu beijando seu pescoço.

— Foi tudo bem no concílio? — Perguntou se enroscando mais no corpo do marido, aproveitando o conforto que ele oferecia.

Zaffir pensou em como fora a reunião e teve que se esforçar para que sua esposa não percebesse em seu rosto que estava preocupado. Não gostou nem um pouco do resultado das duas votações que ocorreram, e de certa forma, sentia que tanto as votações, como o próprio concílio, nada mais eram do que uma nuvem de fumaça. Algo para tornar legítimos motivos obscuros que ele ainda não conseguia compreender... Investigaria mais a fundo, pois sentia que uma tempestade se aproximava e que ele teria um papel importante no desenrolar dela.

Durante a reunião, se sentiu como um boneco, um fantoche nas mãos de alguém poderoso e não permitiria que o manipulassem. Tomaria as rédeas do destino de volta em suas mãos e descobria o que o "sinal vermelho" estava tentando avisar. Ia falar com Lorde Hayata na manhã seguinte, precisavam visitar o Oráculo e ele era o único em quem Lorde Zaffir confiava naquele momento.

— Sim! — Mentiu, não querendo preocupar a esposa.— Foi tudo como eu imaginei que seria...

*****

Ele ajeitou a capa, olhou para o céu escurecido e apressou os passos. Precisava se apressar ou a tempestade de neve o pegaria no meio do caminho. Mesmo não sendo humano, sabia que teria poucas possibilidades de sobreviver caso fosse soterrado pela neve no meio do nada.

Tudo ocorreu como eles esperavam, embora não soubesse muito bem se isso era bom ou ruim. Ezequiel, no entanto, tinha razão, algo no conselho cheirava mal e o fato de lorde Ezequiel Vladmir ter previsto o resultado tornava tudo ainda mais intrigante.

Telefonara para ele há poucos minutos apenas para confirmar o que já esperavam e mais uma vez um conflito interno se formou. Será que tinha tomado a decisão certa? Ainda que houvesse um ou mais traidores no conselho de Élderes, seria a decisão de se aliar a Lorde Ezequiel a mais acertada?

Não podia se ater a lealdades duvidosas entre Élderes quando não podia confiar nem mesmos nos conselheiros de seu próprio clã. Tinha indícios fortes o suficiente para temer perder o trono...

Ao se lembrar que Lorde Ezequiel o havia ajudado a se manter no poder no passado, as dúvidas e inseguranças se apaziguaram. Lorde Ezequiel Vladmir estava cada vez mais poderoso e não fazia a menor questão de esconder o negro de seus olhos. De pensar que pouco mais de dezoito anos atrás seus olhos eram de um azul puro e angelical... O mundo realmente dá voltas e as pessoas mudam... 

Era hora de se aliar aos mais fortes e Ezequiel, sem dúvidas, se tornava cada vez mais forte.

Herança Sangrenta : GênesisOnde histórias criam vida. Descubra agora