Capítulo XXIX

173 20 0
                                    

Uma menina de seis anos brincava animadamente no parque central da cidade. Em sua inocente brincadeira, ela utilizava pazinhas e outros instrumentos de brinquedo na tentativa de construir um castelo. Sua mãe estava distraída lendo um romance cuja história havia sido recentemente adaptada para o cinema. De vez em quando, ela suspirava e desviava os olhos das páginas do livro para a filha, no intuito de se certificar da segurança da menina.

A menina, distraída, coçou o nariz com a mão suja de areia que acabou atingindo os olhos. A aflição repentina que sentiu a fez levantar e correr em direção a mãe, pois como toda criança, acreditava que sua mãe traria alívio imediato ao problema. Correu com os olhos fechados e esbarrou em alguém que vinha em sua direção,  o que a fez cair para trás. Ela levou mais uma vez as mãozinhas sujas de areia aos olhos, causando mais dano ainda, e começou a chorar. O homem em quem ela havia esbarrado a olhou como quem olha para um animal morto e apodrecido, contorcendo o nariz mediante ao desprezo profundo que sentia por humanos.

Com dificuldade, a menina lentamente abriu os olhos e se deparou com um homem extremamente alto, cabelos loiros longos e barba aparada com perfeição. Ombros largos e braços fortes como quem se dedica ao fisiculturismo. Ele estava todo vestido de preto em plena luz do dia, calça, camisa de mangas compridas e, mesmo no calor que estava fazendo naquela manhã, ele parecia confortável. Como se a menina não estivesse bastante intimidada pelo tamanho do homem em quem esbarrara, ela arregalou os olhos ao ver o lábio superior do homem se contorcer e ouvir seu rosnado. Lágrimas rolaram silenciosas pelo rosto da menina apavorada, e para piorar, o imenso homem que rosnava tinha os olhos totalmente negros.

Um outro homem se aproximou e, vendo o pavor da menina, se abaixou para que mantivesse contato visual com ela sem que ela precisasse olhar para cima. Ele também tinha os olhos negros, mas não eram totalmente negros como do imenso homem loiro que rosnava. Ele passou a mão pelos cabelos cacheados da menina e sorriu para ela, exibindo seus dentes perfeitos e brancos. Em seguida, ele delicadamente a ajudou a se levantar e percebeu que o olhinho direito dela estava avermelhado. Ele, como o cavalheiro que era, tirou um lenço do bolso e passou pelo rosto da menina, secando as lágrimas e usou o mesmo lenço para limpar as mãos dela. Ele sorriu novamente para ela e ela retornou o sorriso. Ele, então, percebendo que a menina estava mais relaxada na presença deles, aproximou o rosto do rosto dela e soprou sobre o olho irritado. Ele se surpreendeu e sorriu mais uma vez quando a menina o abraçou, grata pelo alívio que ele lhe havia proporcionado.

Bastou o estranho assoprar e seu olho parou de arder, como se nada tivesse acontecido.

Os dois estranhos ouviram o som de passos correndo na direção deles. A mãe da menina tinha o rosto sério e olhou desconfiada para eles, afinal, eram dois homens desconhecidos próximos à filha. Um deles, que estava em pé um pouco afastado, mais parecia um deus nórdico. O outro estava agachado e sua filha o havia abraçado. A mãe estava chocada pelo fato da filha, autista, ter tão facilmente interagido com um estranho.

O que estava agachado não era tão musculoso como o que parecia um deus nórdico, mas tinha uma aura de autoridade e poder que a fez morder o lábio inferior. Tinha cabelos e olhos negros como a noite, contrastando com a pele branca. Um homem bonito e atraente como ela nunca havia visto, e ela não conseguia parar de olhar para os olhos dele, perdida na escuridão de sua íris. Ela sentiu seu coração bater acelerado e inconscientemente inclinou o pescoço na direção dele.

Ele se levantou e sorriu como um predador satisfeito com a submissão da presa. Mas estavam em público e ele não havia saído de seu castelo aquela hora do dia para caçar. Não... Ele tinha assuntos mais importantes e urgentes para resolver.

Sem dizer nada, ele se afastou das duas fêmeas humanas e os dois estranhos se dirigiram ao elegante carro estacionado na calçada. Ambos entraram e o homem de cabelos negros fez sinal para que o motorista desse partida.

Malaquias...Você precisa se controlar; quase matou a menina de medo se revelando em plena luz do dia!

Eu me controlei o melhor que pude, Milorde.

Rosnando para uma menina de seis anos em uma praça pública?

— Lorde Vladmir, com todo respeito, aquela humana esbarrou em mim! Corria com os olhos fechados como uma peste cega e desaforada! Teve sorte por vossa alteza ter aparecido ou eu teria feito dela minha refeição. Nem mesmo a mãe dela teria notado a ausência em tempo de resgatá-la!

Controle, Malaquias! Controle e paciência, além do mais, a mãe era muito mais apetitosa.

Sempre acreditei que não te agradassem as submissas, Milorde!

E não me agradam, são tediosas e patéticas, mas seria incapaz de matar uma criança, já a mãe poderia ser útil de muitas formas.

Os dois riram, mas o momento de descontração foi curto. Logo o assunto se tornou mais sério e Malaquias entregou a Ezequiel um envelope de papel pardo contendo as informações que o Lorde havia previamente ordenado. Ezequiel analisou os papéis que tinha em mãos e acenou positivamente com a cabeça, demonstrado estar satisfeito.

Lorde Zaffir não teve escolha, fez tudo para evitar a guerra. São contadas várias baixas de ambas as partes, mas Zaffir está obviamente levando a melhor, seu clã é muito mais forte e muito mais leal. Além disso, outros dos Lordes aliados dele enviaram reforços.

Tem muita gente interessada nessa guerra, mas que sirva de lição ao Lorde Zaffir... Avisei a todos do Conselho que estar em cima do muro é covardia, e quem alega neutralidade na verdade escolheu um lado.

Ele não estava presente durante aquele concílio e foi contra a decisão deles na época-

Não mencione aquele desmando! É um passado do qual só terei prazer de me lembrar quando me vingar de cada um deles. Se é guerra que querem, não vejo razão para não me aproveitar da fraqueza do Conselho de Élderes.

Pode sempre contar com meu apoio e lealdade, Milorde!

Eu espero que sim, Malaquias, para o seu próprio bem... E o outro assunto?

Está tudo preparado, Milorde, Tudo de acordo com os planos. Lorde Estevão está na mansão de Lorde Barrington com o filho.

Aquele velho vai se arrepender de ter me apunhalado pelas costas, e mais ainda por tentar tomar o que é meu por direito! Anne é minha e vou ter um enorme prazer de arrancar o coração do peito do velhote para que ele o veja dar as últimas batidas antes que a alma dele vá para o inferno!

Herança Sangrenta : GênesisWhere stories live. Discover now