Capítulo XXI

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Lorde Barrington estava em seu quarto com as luzes apagadas. Gostava de ficar no escuro quando precisava pensar, e era exatamente isso que estava fazendo, concentrando-se nos problemas que se amontoavam a sua volta. Estava de pé em frente a janela que dava para os fundos da mansão, mas seus olhos estavam fechados e sua mente estava bem longe dali.

Sentia-se cansado e velho. Tantos séculos nesse mundo, tanto tempo nessa vida entre Upyrs e humanos, e os desejos primários continuavam os mesmos...

Pessoas ainda morriam por inveja, vingança, orgulho, vaidade, mesquinharia e sede de poder. Nisso Upyrs e humanos eram muito parecidos, a ganância e a crueldade faziam parte da alma de ambos.

Lorde Barrington lembrou-se de épocas em que a humanidade acreditava que Upyrs eram demônios sem alma. Talvez estivessem certos, mas não eram os humanos tão cruéis quanto? Não foram os humanos que mataram uns aos outros em nome de um deus, ou de livros velhos que idolatravam como se fossem fonte da verdade, mesmo contendo leis retrógradas e perversas?

Com o passar dos anos, variavam os deuses, variavam os livros, mas a finalidade era a mesma: oprimir todos que pensavam diferente, pois se não eram aliados de seus deuses, eram aliados de seus demônios...

Mataram mais semelhantes em nome de um deus do que seus demônios poderiam desejar.

Lorde Barrington era filho de um dos Upyr originais, carregava consigo o peso de muitas eras, de muitas vidas, de muitas almas... Depois de tudo que havia vivido, se perguntava se tudo o que tinha feito até então para tentar assegurar a paz entre os seus teria de fato valido a pena. A profecia colocava tudo em risco. Lorde Barrington viveu mistérios demais para fazer pouco-caso de uma profecia como aquela. Nostradamus, amigo dele, tinha sido um oráculo excepcional, além de um Upyr poderoso. Nasceu com o dom da vidência e nunca falhou. Por anos a humanidade tem tentado interpretar seus escritos inadequadamente.

Nostradamus raramente se referia a humanidade, mas ao futuro dos Upyrs. O Oráculo atual repetiu exatamente as palavras que ele havia ouvido séculos antes. Letra por letra, a ameaça se fazia presente e ele faria o possível para evitar sua concretização. Chegou a pensar em matar Sarah, então pensou em matar Anne, mas a criada humana a levou para longe.

Ele pôde sentir a energia dos Vladmir ao conhecê-la, e ela nem ao menos era um deles... Como uma humana podia emanar tamanha energia? Não foi à toa que Amir havia sido escolhido para protegê-la, esta era sua função, ele também estava na profecia. Lorde Barrington se perguntava como não havia percebido isso antes.

Amir era o Senescal.

De terras distantes, se levanta entre raças, o desdém.

Traição e mentiras cortam os laços de sangue

Por um período o traidor se levantará; cairá pela mão do rejeitado coroado.

O fruto de raças maculadas pelo Senescal revelado.

Conflitos, mortes, perda: Grande vergonha atravessada

Antes humana, finalmente coroada. Em sua mão esquerda desonra e destruição; na direita futuro e redenção.

A ordem retornará pela escolha consequente, vida ou destruição nas mãos de sangue mestiço.

— Milorde, correspondência urgente. — Anunciou Jorge ao entrar, depois de bater à porta diversas vezes sem ser ouvido pelo patrão.

Lorde Barrington soltou o ar que nem sabia que estava retendo em seus pulmões ao ter seus pensamentos interrompidos por seu lacaio. De todas as centúrias de Nostradamus, aquela era a que mais incomodava Lorde Barrington. A revelação do oráculo atual serviu apenas para confirmar suas suspeitas. No entanto, ao finalmente conhecer Anne, o desejo de matá-la se esvaiu. Anne era apenas uma jovem humana inocente e ingênua, como Amir mesmo havia dito, por si só não representava perigo algum. Lorde Barrington teria apenas que mantê-la longe de Ezequiel e convencê-la do que ele considerava o trajeto mais adequado. Não seria difícil convencer uma reles jovem humana a se tornar obediente. Ele só precisaria esperar...

Por enquanto, precisava afastar Amir de Anne antes que o relacionamento dos dois levantasse a fúria de Ezequiel alterando o equilíbrio das coisas. Ou pior ainda, destrua os planos que ele tinha para ela...

O Lorde caminhou lentamente pelo quarto escuro em direção a bandeja de prata deixada por Jorge sobre a escrivaninha. Sobre a bandeja, havia um envelope vermelho com o selo do clã de Zaffir. Lorde Barrington quebrou o selo impaciente, seu humor piorava a cada instante desde que começara a pensar na profecia. Leu a carta pelo menos três vezes, prestando atenção em cada palavra. Seus olhos atentos e suas pupilas refletiram um brilho vermelho por alguns instantes, que seria percebido na cor azul de seus olhos apenas pelo cômodo estar totalmente escuro. Mas não havia ninguém com ele para perceber o brilho da emoção que sentiu ao ler.

Aos Nove Lordes do Conselho e ao futuro herdeiro do clã da Terra Menor

Venho por meio desta comunicar o falecimento de Lorde Raegan enquanto estava ainda em minhas terras. Dedicarei todos os meus meios e esforços para encontrar o assassino e descobrir seus motivos para tamanha covardia e insolência ,ao cometer um crime sob minha jurisdição. Asseguro a todos os Lordes do conselho que nenhum assassinato ficará impune, seja quem for o perpetrador de tal atrocidade.

Afirmo que esse caso é para mim uma questão de honra e o sangue derramado em minhas terras será vingado.

Doa a quem doer.

Lorde Lucien Zaffir

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Herança Sangrenta : GênesisWhere stories live. Discover now