Chamas

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Dawn

— Meu Deus, mãe, esse é o melhor carneiro que você cozinhou na sua vida! — Luke diz após limpar a boca com o guardanapo.

Seus pais distribuíram os pratos na mesa de oito lugares, colocando-me de frente para Luke e Liz de frente para Andrew. É uma formação conveniente, mas eu não consigo escapar dos olhos azuis de Luke, que hora ou outra passeiam pelo meu rosto. Exatamente como agora.

O garoto ergue sua taça de vinho branco e mantém seus olhos fixos nos meus. Liz tornou-se muito flexível com bebidas alcoólicas desde que seu filho tornou-se famoso, posso ver. O reflexo da bebida no rosto de Luke faz parecer que seus olhos brilham o tempo todo.

Eu tenho me esforçado tanto para odiar este par de olhos nas últimas horas.

— Faz tempo que não come comida caseira, é apenas isso — Liz sorri para o filho.

— Ah, não pode ser, Senhora Hemmings— entro na conversa para fugir da visão de Luke. — Na sexta passada você preparou torta de carne, se me lembro bem, e estava perfeitamente divina — sorrio.

— Então Liz esteve fingindo para você que foi ela quem fez a torta de carne? — Andrew finge estar revoltado e leva uma das mãos ao peito teatralmente. — Eu preparei aquilo, criança.

— Mesmo? — rio da sua atuação. — Estava perfeita, de qualquer maneira! Eu lembro quando minha mãe fazia torta de carne, era incrível!

— Ela não faz mais? — Luke questiona.

— Não, ela não cozinha muito desde que... — encaro minha comida, que não parece mais tão apetitosa. — Desde que meu pai foi embora.

— Matthew foi embora? — Luke larga seu garfo na mesa, estupefato. — Desculpe, seu pai foi embora? Quando? Por quê?

Meu pai deixou nossa família dois anos atrás, mas é claro que Luke nem faz ideia. Ele não saberia que estou viva se eu não o buscasse no aeroporto mais cedo.

— Luke, não é o momento apropriado — Liz balança a cabeça. — Se já terminaram, crianças, peço para que vão para a sala enquanto Andrew e eu tiramos a mesa. Luke, eu comprei sorvete para você — ela levanta-se e começa a empilhar os pratos. — Leve Dawn até seu quarto, faz tempo que nenhum de seus amigos entra lá. Depois voltem aqui para buscar o sorvete.

O garoto alterna olhares entre sua mãe e eu, procurando uma solução para a situação desconfortável. Em seguida, ele se levanta e caminha deixando o ambiente. Antes de sair, vira-se para mim.

— Você não vem?

Apresso-me atrás dele. Por que estamos fazendo isso? Por que Liz e Andrew insistem nesta história? É impossível não notar a ausência de Luke em minha vida depois de quatro anos. Não somos mais amigos, nem mesmo colegas. Eu não quero ir ao quarto de Luke e sorrir enquanto ele guarda suas coisas em seu velho guarda-roupa. Não quero recuperar todas as lembranças que estive expulsando da minha vida.

E mesmo assim eu o faço.

Luke deposita sua mala sobre sua cama forrada. Lembro-me da época em que passávamos tempo jogados em sua cama de casal, enquanto eu o ajudava a compor músicas para sua banda amadora
Este é um dos motivos pelo qual eu não tive coragem de escutar boa parte das músicas do 5 Seconds of Summer: encontrar qualquer verso meu em uma de suas letras seria como engolir espinhos.

— Você pode sentar — Luke indica a cama com uma das mãos. — Não precisamos manter isso de uma maneira tão embaraçosa.

— Eu não entro aqui há anos — comento.

— E mesmo assim não deixou de frequentar a casa de meus pais — ele ri. — Parece mais íntima deles que eu, sabe? Você ri e "uau, a sua torta de carne estava fantástica" — ele faz uma imitação forçada do que eu disse.

— Eu trabalho para seu pai, não poderia ter cortado laços com sua família — dou de ombros, cansada demais para começar uma briga.

Escolho uma das extremidades da cama e sento-me nela, ocupando o menor espaço possível da superfície macia. Luke permanece de pé, analisando cada pedacinho do cômodo, como se fosse encontrar algo faltando nele.

É exatamente assim que me sinto vendo Luke depois de tantos anos. Ele está aqui e, mesmo estando completamente diferente, ainda parece o garoto que foi embora. Isso só faz tudo doer mais ainda.

— Os garotos queriam ver você, sabe? — ele apoia-se em seu guarda-roupas e me encara. — Eles estavam sempre falando de voltar e passar um tempo com você. Meu Deus, Michael dizia que devíamos contratar você como compositora — Luke balança a cabeça e ri com a lembrança. — Michael é um idiota.

— Por que eles não voltaram?

— Porque as coisas se perdem quando se está pelo mundo, Dawn. E não estou falando de perder coisas de verdade, porque eu já perdi minhas escovas de dentes tantas vezes que elas parecem descartáveis — ele encolhe os ombros. — Os sentimentos ficam para trás e as pessoas ficam para trás. As coisas de casa começam a parecer um grande borrão. Você tenta lembrar de como era seu restaurante preferido e então está em Los Angeles. Você tenta lembrar da voz de seus amigos e percebe que está em Tókio e não faz ideia de como foi parar lá.

— Eu não entendo — deixo um longo suspiro escapar.

— Tudo passa tão rápido e voltar para casa é como saltar de um trem em movimento. Você acha o salto assustador, mas a falta do movimento permite que você respire antes de embarcar de novo.

— Alguma das suas... músicas...? — percebo que não completei a frase quando vejo a expressão de confusão no rosto de Luke. — Alguma delas é nossa?

Posso ver Luke prender a respiração por alguns segundos, enquanto seu maxilar se contrai.

— Você não ouviu as músicas?— ele parece ferido com este pensamento.

— Só quando elas tocam no rádio ou premiações. Coisas do tipo.

— Eu tive que procurar composições antigas antes de lançarmos o Sounds Good Feels Good — ele pressiona a ponte do nariz com os dedos antes de continuar. — Eu achei uma folha sua com algumas coisas anotadas para começar a escrever uma música e Michael e eu concordamos em desenvolver uma música a partir daquilo. Eu joguei suas músicas prontas fora assim que fui embora.

— Que anotações são essas? — tento me lembrar de qualquer coisa que eu possa ter feito, mas faz muito tempo. Como eu poderia lembrar?

— Você tinha rabiscado algumas ideias em uma folha e o título daquilo tudo era "Chamas" — ele gesticula. — Michael e eu fizemos a música "Catch Fire" à partir daquilo.

— Oh — permaneço impassível enquanto organizo meus pensamentos sobre isso. Luke e Michael não usaram nenhuma das minhas músicas, apenas a ideia de uma delas. Não sei como me sinto ao saber que meus pensamentos estão se repetindo nos fones de ouvido ao redor do mundo.

— Dawn, o nome da banda é uma ideia sua. Eu joguei suas músicas fora por medo de um dia querer usá-las. Eram todas tão boas demais e eu seria horrível se as usasse sem sua permissão.

A fragilidade estampada no rosto de Luke me desestabiliza. Como eu poderia odiá-lo por isso?

— Sua mãe deve estar nos esperando para tomar sorvete, vamos descer— é tudo que digo.

Dawn || Luke HemmingsOnde as histórias ganham vida. Descobre agora