Lua Minguante II

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Ilusão

Miguel não foi à aula. Não teve o menor interesse em tentar manter-se acordado. Não era apenas o sono perdido, era a energia imensa que gastara, ou melhor, esgotara.  A mãe, em momento algum, quis forçá-lo. Deixou-o dormir até três horas da tarde.

− Você parece ainda tão cansado. Nem dormindo até essa hora você se recuperou, meu filho? – falou Joana. – Mas, com esse almoço reforçado que eu fiz para você, tenho certeza de que esses olhos fundos vão desaparecer.

Depois de almoçar, Miguel saiu com  o padrasto inundado de ansiedade. Receberia seu dinheiro. Poderia trocar seu baixo por um melhor. E, quem sabe, roupas novas para tocar no show. Ou, quem sabe ainda, um celular novo ou um computador novo. Desejava tantas coisas que sua mãe não podia lhe dar...

Chegaram ao local combinado para receber o dinheiro, uma rua deserta em um bairro afastado. Lâmina estava acompanhado por três sujeitos. Miguel desceu do carro segurando o riso, queria pegar seu dinheiro, ver quanto valeu seu esforço.

− Boa tarde, rapaz – cumprimentou Lâmina. Fiquei surpreso e satisfeito por você ter decidido assistir ao torneio até o fim. Realmente, está comprometido.

− O campeão ganhou muito dinheiro. Isso é estimulante – respondeu Miguel.

− Você ainda não viu nada meu rapaz, você pode chegar à casa do milhão. Só depende de você. E de mim, é claro. Sem um "patrocinador", não poderá participar nem dos pequenos, quem dirá dos grandes.

Miguel espremeu os olhos observando aquele homem. Seu apelido sugeria agiotagem, não patrocínio. Mas ele não poderia seguir sozinho e não desejava desistir agora.

− Você me rendeu frutos razoáveis na noite passada. Assim, tem direito a uma parcela interessante. No entanto – Lâmina encarou Luis –, seu padrasto tem uma dívida alta comigo.

Miguel prendeu a respiração. Por dentro, começava a explodir. Já deveria ter desconfiado do padrasto.

− É uma dívida antiga, que o fez se afastar e sumir de nossas vistas por anos. Para ele voltar, precisou fazer um trato comigo, e é aí que você entra. Jogará para mim até que esse débito esteja quitado.

− Que palhaçada é essa? – gritou Miguel, partindo para cima do padrasto.

Os homens o seguraram. Luis tentava se defender, resmungando que, graças a ele, Miguel se tornara homem e jogador.

− Acalme-se, rapaz! – disse Lâmina. − Você nem me deixou terminar de falar. Soltem-no.

Miguel começou a caminhar em círculos pela rua, mãos apertadas, rosto vermelho.

− Quanto eu ganhei ontem?

− Em torno de dez mil.

− Então, você ficaria com oito mil e eu com dois e quatrocentos?

− Sim.

− Pois eu quero esse dinheiro agora, e vocês façam o que quiserem desse babaca!

Lâmina soltou uma risada longa e alta. Estava claro que o rapaz não tinha noção do que se tratava ali.

− Isso aqui não é brincadeira, moleque! – berrou o sujeito, finalmente formando em seu rosto aquela máscara de linhas profundas e aterrorizantes.

Um dos seus comparsas apertou Miguel contra a parede. Enquanto o outro vigiava Luis, que certamente nada tentaria.

− Eu vou explicar de novo. Eu sei tudo sobre você e sua família. Principalmente sobre o seu pai. Isso significa que você fará tudo o que eu quero, pagará a divida do seu padrasto e me renderá um bom dinheiro.

Os Olhos da Deusa (completo)Where stories live. Discover now