A Lua Negra I

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Mergulhos

Voltaram para cidade depois do almoço. Rebeca estava ansiosa para ver Gustavo. Thaís pensava em Miguel, que apoiava em seu corpo sem reservas. Então, ela tomou coragem e pegou na sua mão. Viajaram assim, mãos e corpos colados, só os pensamentos que vagavam por outros lugares.

Miguel escolheu a madrugada para fazer seu exercício. A mãe e o padrasto dormiam num quarto distante, dois cômodos do banheiro: "Não vão escutar o barulho da água", pensou. Abriu as torneiras, e verificou que a velha banheira estava funcionando, esse era o primeiro passo. No entanto, só saia água fria, mais uma coisa que ele deveria superar nesse exercício. Então, concentrou-se em lembrar as instruções de Estela:

"Preste atenção no que eu vou te explicar. Você terá que fazer isso sozinho, não poderei estar com você. Você tem uma banheira em casa?

"− É bem velha, não sei se funciona.

"− Se tiver problemas com isso, peça ajuda a Jorge. Faça isso numa hora em que ninguém irá perturbá-lo. Você deve enchê-la até a borda. Não pode colocar nenhum sabão ou espuma. Entre e mergulhe a cabeça com os olhos fechados. Quando não tiver mais ar, abra os olhos. Isso vai ser difícil controlar. Esse é o seu exercício. O ar vai faltar e você não vai conseguir ficar imerso.

"− E quando eu conseguir ficar imerso?

"− Quando você conseguir ficar um pouco imerso, terá que tentar ficar mais.

"− Por quanto tempo?

"− Você saberá.

"− Isso não vai me matar afogado?

"− Você é um dos quatro escolhidos, a Deusa te deu esse dom. É compreensível a sua aflição, Miguel. Claro que outra pessoa poderia se afogar, mas você tem a magia dentro de si, só precisa aprender a vencer o medo e dominá-la."

A primeira tentativa foi frustrante. As paredes dos pulmões pareciam colar umas nas outras. A segunda tentativa foi igual, a terceira foi pior, a quarta ainda pior e na quinta ele precisou desistir porque ficou exausto.

"Isso parece mais difícil do que quando treinei para ouvir a mente sem encarar a pessoa", queixou-se Miguel. Na verdade, não era mais difícil. Não acordou na manhã seguinte com febre ou dor insuportável como aconteceu quando foi a fundo demais na mente de outras pessoas através da empatia, acordou apenas frustrado.

Miguel reclamou com Caio no dia seguinte na escola. Não se conformava com o fracasso. Ao mesmo tempo, sentia vontade de voltar agora mesmo para a banheira e tentar superar aquilo.

− Você achou mesmo que ia ser fácil? – zombou Caio.

− Achei que fosse conseguir pelo menos por um pouco de tempo ontem. Não consegui nada! Perco o ar muito rápido e já fica insuportável.

− Você sabia que existem técnicas para prender a respiração por mais tempo? Pesquisa na internet. Eu me lembro que antes precisa praticar a respiração profunda pelo diafragma. É um exercício para limpar os pulmões. Dá uma pesquisada no assunto.

***

O professor entrou em sala, Caio sentou-se em sua carteira, mas não conseguiu se concentrar, pois a imagem do sonho daquela noite veio como um lampejo: O cenário era de uma praia. Miguel desapareceu. Thaís se desesperou. A lua começou a nascer no mar, era vermelha como as chamas da fogueira. Thaís chamou por Miguel, ele não respondeu, não emergiu da água. Ela se desesperou.

Os Olhos da Deusa (completo)Where stories live. Discover now