A Lua Negra

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Costurar retalhos

Depois do café, Miguel procurou por Estela. Passada a empolgação inicial, precisava esclarecer o que estava acontecendo.

− Eu posso conversar com a senhora?

Os dois caminharam até a beira do lago, o início de noite estava morno e iluminado pelas estrelas. A lua já não podia ser vista no céu.

− O que aconteceu hoje e há 12 anos tem a ver com bruxaria, certo?

− Tem haver com magia, com o dom que a Deusa me ofertou através da natureza. A religião antiga vem atravessando gerações e a nossa missão é proteger o poder dos Olhos da Deusa.

− Aqueles brincos que Rebeca usa... Eu vi quando eu ainda conseguia saber o que as pessoas pensavam ou sentiam, o poder daqueles brincos... - Miguel observou Estela fazer sinal de positivo com a cabeça e decidiu terminar de falar. Era visível a frustração dele diante da perda de sua habilidade. - Eu vi também o que Caio pode fazer. Os sonhos dele podem ser premonitórios ou reveladores, certo?

− Certo, Miguel. Vocês quatro têm um destino em comum, uma missão a cumprir. Vocês deverão atender ao desejo da Deusa. - Estela pegou nas mãos de Miguel. - Quanto a sua habilidade, você não a perdeu. Você está sob o efeito de uma poção de blindagem, para protegê-lo. Antes de você liberar sua empatia, precisa saber usá-la, bloqueá-la e dosá-la. Amanhã pela manhã, faremos exercícios, ok?

Ele fez sinal de afirmativo, todas aquelas informações ainda não estavam totalmente claras para ele.

− Mas agora vocês deverão dizer sobre os retalhos que cada um possui e construir uma bela colcha - disse Estela olhando os outros três que os observavam pela varanda.

Estela o deixou na beira do lago e caminhou até a casa, dizendo que era hora deles se juntarem a Miguel. Thaís cruzou os dedos da mãos apoiando-os sob o queixo. Rebeca observou a amiga e antes que caminhassem até a beira do lago, soube que era a hora de perguntá-la:

− Você vai me contar sobre o seu passeio, Thaís? Confesso que estou curiosa.

− Não sei se consigo escolher as palavras certas para explicar o que eu estou sentindo. Tem uma energia circulando pelo meu corpo e uma paz no meu coração que eu tenho medo de perder... - Thaís viu os olhos de Rebeca se estreitarem. - Enquanto eu caminhava, eu senti a presença da Deusa em cada lugar que eu olhava. Eu senti meu desejo pulsar. Eu senti que tinha liberdade para realizar o que quisesse.

− Você sentiu que "tinha" ou que tem liberdade para fazer o que quiser?

Thaís sorriu porque a amiga tocou no ponto em que ela ainda se embaraçava. Mas, já era um começo, um grande passo.

***

Miguel, Thaís, Caio e Rebeca conversaram a luz da fogueira. Dividiram um misto de revelações sobrepostas a mais mistérios, euforia diluída no temor, mas, principalmente, angústia e ansiedade. Todas as visões, sensações e premonições compartilhadas.

− A minha habilidade não poderia existir só para seguir o caminho destrutivo do meu pai... − disse Miguel.

− Somos sempre tentados a seguir o caminho do pai ou da mãe - constatou Caio.

− Segui-los não é necessariamente um caminho ruim - argumentou Thaís.

− Apenas não é o nosso caminho. Cada um tem um caminho feito a partir de nossas próprias escolhas - disse Rebeca. - Valorizar os conselhos deles não significa reproduzir todas as escolhas.

Os Olhos da Deusa (completo)Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt