Lua Negra V

150 21 33
                                    




A chama

Thaís saiu com a irmã, como de costume, na hora de ir para a escola. A angústia a sufocava. Não queria encarar os colegas, principalmente Igor e Rebeca, a culpa a consumia a cada dia. Estava emagrecendo. A irmã não percebia nada, só lhe interessava que Thaís a acobertasse para fazer suas noitadas no fim de semana, sem que o pai ou a tia soubessem. Na verdade, para ela a ausência da mãe tão controladora, serviu como carta alforria.

Quando se separaram no caminho, Thaís não foi para a escola, caminhou sem rumo, até se deparar com uma fogueira na beirada de um terreno vazio. Seus olhos fixaram na chama, seu corpo bambeou como a labareda. Entrou num transe absoluto, não havia nada além da chama que ao mesmo tempo, continha tudo. Ela começava a distinguir formas, rostos, símbolos que se formavam nas labaredas. As imagens eram vertiginosas, ela não conseguia acompanhar. Seu corpo já fraco, sua psique já devastada não suportaram. Thaís desmaiou.

Rebeca acordou com o coração disparado. Ela olhou para a janela do quarto em que dormia na casa da avó, a luz do sol entrava e ofuscava sua visão. Então um sonho despertou em sua memória. Podia ver uma espécie de portal e havia alguém do outro lado que precisava de ajuda. Ela tentou alcançar quem estava do outro lado, mas não conseguiu sair do lugar. A pessoa perdeu a consciência e desmaiou, nesse instante, Rebeca despertou. Ela desceu as escadas e encontrou a avó na cozinha. Contou-lhe o sonho antes que ele a escapasse.

− Seu canal está aberto. A Deusa já se comunica com você − disse a avó. 

− Mas foi muito angustiante. Eu não consigo me lembrar do rosto da pessoa.

− Calma Rebeca, há um excesso de saber despertando em você em pouco tempo.

− Como assim? — perguntou a avó enquanto era conduzida de volta ao quarto.

− há muito conhecimento, magia, experiências e forças despertando em você. Agora volte a dormir, seu corpo precisa de descanso, não tem nem duas horas que você se deitou. — Estela cerrou as cortinas do quarto e fechou a porta.

Rebeca se recordou do dia clareando dentro do bosque. Ela seguiu os feixes de luz entre as árvores até chegar ao lago. Lá viu o sol nascer atrás de um monumental muro de nuvens, só então seguiu para a casa da avó.

Marina caminhava para o cursinho, não tinha pressa, sua primeira aula foi suspensa. Ela dobrou a esquina a tempo de ver Thaís cair no chão. Correu para ajudar a garota desconhecida. Verificou que ela respirava, e quando tentava ligar para a emergência, ela despertou. Thaís estava assustada e confusa, procurava pela fogueira que não mais existia. Marina disse que a levaria para um pronto socorro, mas ela levantou-se e fugiu rapidamente.

Foi um encontro breve e confuso, mas a intuição de Marina sabia que não fora por acaso. Alguma coisa no olhar daquela garota revelava que algo muito estranho havia acontecido. Marina procurou algum vestígio e encontrou: as cinzas da fogueira e no meio delas uma pedra.

O melhor a fazer era descobrir logo o que aquilo significava. Pegou a pedra e guardou um punhado de cinzas num saquinho plástico que estava perdido na bolsa. Voltou para casa, àquela hora ninguém estaria lá, poderia comunicar-se com Perla e fazer um ritual.

Quando Marina tocou novamente na pedra, sentiu sua energia espalhar-se pela sua pele. Um pensamento muito forte dominou sua consciência: "Eu sou capaz de fazer qualquer coisa com meus conhecimentos." Não precisava consultar Perla, sentia-se confiante o suficiente para conduzir aquele ritual. A grã-sacerdotisa precisava saber que ela tinha avançado o suficiente para tomar atitudes por si só. Aquele sinal viera para ela, não para Perla.

Lançou o círculo mágico no quintal, misturou as cinzas no cálice de água, respirou fundo e evocou, ou seja, convidou o conhecimento da Deusa. O reflexo da água era o próprio céu acinzentado. A pedra encontrada, na palma de sua outra mão, ficou silenciosa. Tinha dois objetos mágicos, mas não conseguia escutar o que a Deusa gostaria que ela fizesse. Seu coração sempre tão controlado já dava sinais de ansiedade.

Os Olhos da Deusa (completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora