A Lua Nova

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Mais de um ano depois

Thaís sentia a energia da fogueira, das sacerdotisas e das pedras que brilhavam em suas orelhas lhe darem um conforto e segurança diferente de tudo o que já experimentou. O quintal da Irmandade estava florido, aquecido de sorrisos e de uma magia envolvente. Thaís estava ali pela primeira vez, justamente para os rituais de passagem de Marina para grã-sacerdotisa. Todas as sacerdotisas a receberam com carinho e gentileza.

Foi fácil para Marina fazê-la aceitar o convite. Escolheu a data da inscrição para os aprovados na universidade federal, assim Thaís já estaria morando na capital com certeza. Era fato conhecido que Thaís e Miguel estavam decididos a passar no vestibular daquela cidade. A distância necessária e suficiente das famílias e suas dores.

Thaís não suportava os raros encontros com noivo da irmã. Qualquer tentativa de abrir os olhos de Thalita foi em vão. Ela até tomou coragem e contou o ocorrido à tia que foi capaz, após o susto, de apenas lançar lhe um olhar de acusação. Era claro que, na cabeça machista da tia, Thaís tivesse provocado a situação de alguma forma. E que, segundo ela, nem fora tão grave: apenas um beijo roubado. A tia já tinha afeição a Mariano que 'salvou' sua sobrinha assanhada, Thalita, da desonra. Todo aquele pensamento retrógrado e cruel que irritava Thaís.

Miguel também não via a hora de mudar de cidade. Mesmo depois de entregar a casa à Lâmina, os assédios não cessaram. O agiota sabia o quanto poderia ganhar patrocinando o rapaz. Miguel também não suportava mais a convivência fria e hostil com Luís, principalmente quando se mudaram para um apartamento bem apertado. Ele já tinha conseguido uma vaga no alojamento da universidade e um trabalho de meio período para dar o mínimo de despesas à mãe.

A única coisa que lhe causava algum incômodo sobre morar naquela cidade era sobre a Irmandade. Miguel ainda tinha suas ressalvas com Perla. As cenas da tempestade trágica provocada por ela jamais lhe saíram da cabeça. Mas nutria certa simpatia por Marina, mesmo sentindo que ela mantinha certo distanciamento estranho dele. Como se ele fosse alguém comum, sem nenhuma ligação com a magia. Nunca conversava sobre a Irmandade, rituais e conhecimentos em sua frente, apenas em particular com Thaís. Mas era sempre agradável e lhe enviava material de estudos através da namorada.

Já Thaís estava cada vez mais envolvida. Marina passou no vestibular de medicina na capital, mas fez questão de voltar a cada fim de semana à cidade dos tios para passar agradáveis tardes de sábado com Thaís. Fez dela uma pupila dedicada aos estudos sobre religião antiga e bruxaria.

Naquela noite em que participava pela primeira vez da Irmandade, Thaís chegou a sentir um forte mal estar, sabia que dava um grande passo, que talvez a afastasse cada vez mais da amiga Rebeca e isso lhe doía. Mas também significava fazer sua própria trajetória na missão que lhe foi dada pela Deusa.

***

Marina atravessou o casarão da Irmandade e parou o passo diante das escadas que levavam ao quintal. Finalmente, mais de um ano após o anúncio de Perla, começariam os rituais derradeiros de passagem. Ela seria a nova grã-sacerdotisa das Filhas da Lua. Perla a esperava na porta que dava acesso ao quintal.

— Você está belíssima. É possível ver a feminilidade da Deusa agindo em você. Eu lhe dei todo o meu conhecimento, toda a minha perspicácia, e isso você já demonstrou que aprendeu muito rápido quando se recusou a tomar aquela poção proibida. Você sabe a hora de seguir e a hora de recuar, sempre ouça a sua intuição — Perla segurou as mãos de Marina. — Quem não precisa carregar os Olhos da Deusa tem mais domínio sob sua própria trajetória, mas isso não significa que esteja livre de outras perturbações. Esteja atenta.

Os Olhos da Deusa (completo)Where stories live. Discover now