Capítulo 1

693 83 2
                                    

Bernardo

Mesmo sabendo que esse dia chegaria e eu teria que contar para ela, tudo o que aconteceu para que o meu casamento com a Vitória chegasse ao fim, não é nada fácil reviver o momento. Ainda me dói pensar e falar sobre o assunto.

Ela está sentada ao meu lado segurando minha mão tão forte que os nós dos seus dedos estão brancos. Ela parece chocada e seus olhos expressam o horror das minhas palavras.

— Me perdoa. Eu não queria fazer você reviver isso. — sua voz sai baixa e lágrimas escorrem dos seus olhos. — Se eu soubesse que era uma coisa tão horrível como essa, eu jamais tocaria nesse assunto.

— Esta tudo bem amor. Você tinha que saber, e eu esperei demais para contar.

Começo a chorar junto com ela, que levanta, senta no meu colo e me abraça forte. Depois de um tempo, ela se afasta e seca o rosto.

— Como isso aconteceu? Desculpa perguntar, mas eu preciso saber.

Respiro fundo algumas vezes e volto a falar:

— Naquele dia enquanto ela falava com o amante, ela disse várias vezes que me amava e não gostava quando ele me xingava ou tripudiava por eu ser "corno" como ele dizia. Isso a deixava irritada e ela explicou para ele que amor e desejo, para ela, são duas coisas distintas. Que ela me amava e me desejava, mas que também desejava outros homens e que por isso ela saía com eles e que por não se envolver com nenhum deles emocionalmente, ela não considerava traição. 

— Que absurdo. Essa mulher não é normal Bernardo.

— Depois de tudo o que ela fez, tenho que concordar. Bom, eles continuaram a conversar e a se beijar, e isso foi me matando por dentro. Quando eu estava prestes a abrir a porta do quarto, ele perguntou se ela não tinha medo de me perder caso ele descobrisse tudo o que ela fazia, ela disse que não, que eu tinha total confiança nela, que sabia que eu a amava e que só tinha olhos para ela e foi então que ele soltou a bomba.

Ele vai te amar, e ter olhos para você só até descobrir que por três vezes, você acabou com o sonho dele de ser pai.

Ela arregala os olhos.

— Ouvir isso acabou comigo. Parecia que tinha uma mão no meu peito esmagando o meu coração. Ela sabia o quanto eu gostava de crianças, o quanto eu sonhava em ser pai. Ela me via junto com o Junior, e vivia falando que em breve nós teríamos os nossos bebês, mas era tudo mentira.

Paro de falar por um instante para ver se o nó que está na minha garganta para de doer.

— Três abortos? Meu Deus que absurdo. Essa mulher é um monstro. — a voz dela sai baixa.

— Como eu disse, se tivesse sido só a traição e somente uma, acho que eu poderia até perdoar, caso ela atribuísse isso a quantidade de tempo que eu a deixava sozinha logo no início do casamento, mas as traições eram constantes, ela fazia isso desde que tínhamos nos mudado para cá, e ela não parou, mesmo depois que eu comecei a dedicar todo o meu tempo livre para ficar com ela. Até aí eu estava decepcionado com ela, por não conhecer a pessoa que dormia todas as noites ao meu lado, e comigo, por não saber com que tipo de mulher eu havia me casado. Mas quando ouvi sobre os abortos... Eu fiquei enojado por ter perdido seis preciosos anos da minha vida ao lado daquela mulher.

— Você se culpa de alguma forma?

— Não, claro que não. Se eu estava longe, era porque eu queria o melhor para mim, para ela, para a família que eu sonhava ter, mas se ela não conseguia ver isso, a única culpada é ela. — suspiro. — Na minha cabeça, a Vitória era a mulher perfeita, o modelo de esposa exemplar, então eu nunca imaginei que algum dia ela pudesse fazer algo que me deixasse decepcionado, mas naquele dia, a imagem que eu tinha dela mudou completamente. Quando eles entraram nesse assunto, ela disse que não suportava ficar do lado de crianças, que ela odiava o meu sobrinho e que só tratava ele bem por minha causa, além disso, ela falou que tinha ficado muito feliz em ter conseguido interromper a gestação todas as vezes que tinha ficado grávida. – só de lembrar ela falando isso, fico com mais ódio dela.

  — Odiar? Isso é muito pesado.  

  — Pois é.   

— Como o cara sabia dos abortos?

— Ele era amigo do médico que fez , que depois eu descobri que também era amante dela. — ela se surpreende novamente.

— Meu Deus Bernardo. Que loucura isso tudo. — concordo. — Você nunca desconfiou de nada?

— Não. 

— Minha nossa, teve ter sido horrível ficar parado escutando tudo isso.

— Foi bem difícil, eu perdi o chão, Sam. A minha vontade era matá-la, mas antes, eu tinha que saber como e quando ela tinha feito. — recosto no sofá e continua a falar. — Ele perguntou como ela tinha conseguido esconder de mim, tanto as três gestações, quanto os procedimentos. Ela, sem remorso nenhum, explicou que eu tinha ficado sabendo somente de uma gestação. — sinto uma forte dor no peito, mas continuo. — Saber disso, saber que em quase seis anos de casamento ela tinha engravidado três vezes, e não uma como eu sabia, e ouvi-la dizer o que tinha feito para interromper as gestações, me fez mal, muito mal. — respiro fundo para poder continuar.

Ela está com os olhos marejados e com uma das mãos na boca.

— Continua.

— Lembro como se fosse hoje, estávamos os dois em casa, era um sábado, e ela estava se queixando de dores nas costas, mal estar e enjoo. Perguntei se ela queria ir para o hospital e ela falou que não, que tinha certeza que tinha comido alguma coisa que não tinha caído bem, e que ia tomar um antiácido e deitar um pouco, e que quando acordasse, estaria melhor. Naquela noite, teríamos uma festa para ir, uma amiga dela estava fazendo aniversário. Ela realmente levantou melhor e foi se arrumar, mas pouco antes de sairmos de casa, ela começou a vomitar, foi só aí que ela decidiu ir ao médico. Lá descobrimos que ela estava grávida de seis semanas. Eu fiquei surpreso, e feliz, extremamente feliz, mas ela não queria acreditar, dizia que não podia ser verdade, que não era possível aquilo ter acontecido, que ela estava se cuidando, que ela tomava a pílula todos os dias e na mesma hora sem falta, mas o médico disse que não tinha erro nenhum. Ele fez várias perguntas, e descobrimos que os antibióticos que ela tinha tomado a um tempo atrás para curar uma infecção urinaria, tinha cortado o efeito do anticoncepcional. Saí do hospital me sentindo o homem mais feliz do mundo. Eu estava nas nuvens, mas ela estava estranha, bem diferente do habitual, e como eu estava feliz, na época nem levei isso como se ela tivesse rejeitando a gravidez.

Ela senta mais perto e pega na minha mão.

— Eu estava nas nuvens Sam, o meu maior sonho era ser pai, e eu ia realizá-lo. Quando eu saía de casa e via lojas de bebês eu entrava e comprava tudo o que eu via pela frente. O bebe tinha tanta coisa. Mas três semanas depois de descobrirmos a gravidez, precisei viajar a trabalho, e dois dias depois que eu tinha viajado, recebi uma ligação dela dizendo que estava no hospital, e que tinha perdido o bebê. Fiquei arrasado e perguntei o que tinha acontecido. Ela contou que tinha passado mal em casa e que tinha desmaiado quando estava descendo as escadas, e que quando acordou estava sangrando. Ela disse que tinha ligado para uma amiga, que a levou para o hospital, e lá descobriu que por causa da queda ela tinha perdido o bebê. Falei que ia voltar para poder ficar com ela, mas ela disse que não precisava, que estava bem e que quando eu chegasse nós conversaríamos sobre o assunto. Eu fiquei muito triste, mas pensei que em breve poderíamos tentar novamente, que se aquilo tinha acontecido, é porque não era para ser ainda.

Ela concorda e seca as lágrimas.

— Quando voltei pra casa, ela não me deu muito detalhes, contou a mesma história que tinha falado pelo telefone e só. Dias depois ela parecia à mesma Vitória de antes da gravidez. Sempre feliz e alegre e parecia até que não tinha acontecido nada. Era como se ela nunca tivesse ficado grávida, e muito menos perdido o bebê. Eu cheguei a estranhar esse comportamento, mas também achei que aquela era a maneira dela de lidar com a perda do nosso bebezinho.

— Então a queda da escada era mentira?

— Sim. Na verdade ela foi até a clínica de um dos amantes dela, e pagou para ele fazer o aborto. Ela falou isso com a maior naturalidade do mundo.

— Eu tenho medo de gente assim. Ela é o tipo de pessoa que não tem escrúpulo nenhum e que para conseguir o que quer, não mede esforços muito menos pensa nas consequências.

— Não precisa ter medo. Ela não pode e não vai fazer nada contra nós.


Caminhos Traçados 2ª EdiçãoWhere stories live. Discover now