PRÓLOGO

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Miro ainda estava com suas mãos trêmulas. Ele olhava para aquele velho caderno em sua posse. A capa marrom era grossa e descamada, as folhas em seu interior se apresentavam bem amareladas, a tinta da escrita estava borrada, em algumas páginas estava quase inelegível, mas com bastante esforço ele conseguiu identificar algumas palavras.

Olhou para o velho casarão que acabara de deixar para trás. Grandes palmeiras escondiam a sua fachada, as paredes eram vermelhas e o piso em uma cor de caramelo e apresentava algumas rachaduras. Nos muros, algumas trepadeiras os cobriam por completo e naquela primavera exibia as lindas flores azuis que exalavam um cheiro atordoante.

Ele ainda segurava na grade do portão preto. Suspirou infeliz. Mais uma vez havia perdido a oportunidade de adotar uma criança daquele orfanato infestado de ratos. Desde a última recusa há dez anos ele se sentia um lixo humano, mas compreendia que a diretora daquele lugar estava certa. A sua idade real era de cinquenta e dois anos, mas não era o que aparentava. Por trás daqueles óculos de grau, ele exibia olhos azuis cansados, uma pele lisa, parda e um volumoso cabelo negro. A sua estranha jovialidade era algo peculiar e por esse motivo consideravam os seus documentos inválidos.

Ele só gostaria de saber o porquê disso? Nenhum médico sabia lhe dar a resposta. Já o chamaram de louco, pois, para os outros, ele não passava de um rapaz de menos de vinte e cinco anos. Resolveu manter em segredo a sua preocupação, embora o seu velho pai por tantos anos escondeu todas as respostas que ele precisava saber.

Ele era biólogo, professor de uma universidade renomeada em Laucana. Não quis herdar os negócios de seu pai, e há dois dias sabia que tinha razão. Descobriu através do diário que portava em mãos, que não era filho biológico do homem na qual chamou de pai e por inacreditável que pareça, os deuses mitológicos por trás das antigas lendas eram reais.

Ele foi caminhando pela calçada com uma mão no bolso. Mantinha a sua cabeça baixa e se perdia em seus devaneios. Aquela velha lembrança atormentadora... Ainda podia escutar a voz rouca de seu velho pai.

☽✳☾ 

— Eu deveria ter lhe contado isso antes. — Disse o velho homem de cabelo e barba grisalha. — Espero que me perdoe por isso.

Miro olhou para ele através de suas lentes transparentes. Em cima da mesa, onde os dois estavam sentados em volta, jazia um velho caderno de folhas amareladas. O seu pai sorriu apesar de demostrar arrependimento por esconder aquele segredo.

— O que é isso? — Miro perguntou, ainda não conseguindo compreender o significado daquele objeto em cima da mesa.

O velho homem suspirou com toda a paciência do mundo.

— É o diário de sua mãe. — Ele revelou, para a sua própria surpresa.

Miro nunca conheceu a sua mãe, ela havia morrido durante o seu parto. Só a havia visto por fotos e nada mais. Ela era linda, a sua beleza era algo diferente de todas as mulheres daquele arquipélago. Os cabelos curtos caíam em seus ombros, mas os seus olhos, lembravam os dele próprio. Aquele rapaz, sempre acreditou que descendia da família de sua mãe, embora nunca ter ouvido falar de seus avós maternos.

— Eu não deveria...

— Leia! — O seu velho pai insistiu. — Vai encontrar aí todas as respostas de suas perguntas. E... — Ele se pôs de pé, um tanto envergonhado. — Me perdoe meu filho, por não te contar a verdade antes.

Miro não sabia o que dizer, ou o pior, ele nem sabia o que seu pai o queria dizer com aquilo. Ele pôs aquele velho caderno em suas mãos e o fitava um tanto receoso. Ali dentro estava todos os desabafos de sua preciosa mãe. Ele temia em ler.

— Irei deixá-lo sozinho. — O velho homem finalizou e lhe deu as costas.

— Pai! — Miro lhe chamou, interrompendo seus primeiros passos.

O homem se virou, mirando seus olhos cansados ao seu filho.

— Não me chame de pai. Me chame de Alexander ou... Alex.

O seu pai deixou o local, deixando Miro ainda mais duvidoso diante daquilo. Ele engoliu um seco e olhou para aquela capa de caderno descamada em suas mãos. O que tinha ali dentro não era somente a vida de sua mãe, mas também o segredo para lhe explicar o fato de nunca envelhecer. Ele abriu lentamente e leu a primeira palavra escrita, que afinal era o nome de sua mãe. Samy.

☽✳☾ 

Miro esbarrou em alguém, deixando o diário de sua mãe cair na calçada. Sentiu-se culpado por estar tão aéreo, mas naqueles dois últimos dias, estava sendo difícil manter-se acordado na realidade. Ele ainda estava de cabeça baixa e notava as botas escuras diante dele, o sujeito no qual esbarrou, curvou o seu corpo e catou o caderno no chão. Miro levou seus olhos até a figura.

Era um homem de cabelos compridos e negros, de aparência bem jovial. Ele vestia um casaco sobretudo preto e para a falar a verdade, todas as vestimentas dele eram obscuras. Miro o encarou, um tanto assustado com aquela face. O homem sorriu, lhe entregando o diário.

— Estava mesmo lhe procurando. — O homem falou.

Mirou franziu o cenho. Ele não fazia ideia de quem era aquele sujeito. O homem o fitava como se o conhecesse há muito tempo. De fato, aquilo era estranho. O rapaz preferiu não dizer nada e apenas pegou o seu diário. Antes que pudesse seguir seu caminho e ignorá-lo, o homem continuou a falar.

— Miro, não é? — Ele perguntou.

Miro se enrijeceu. Estava estupefato. Como aquele sujeito sabia o seu nome?

— Deve estar confuso e se perguntando. Mas eu sei quem você é. — Ele sorriu, trasbordando uma tranquilidade inquietante. — Você é filho de um feiticeiro.

Miro estava pasmo. Ninguém sabia do seu segredo, nem ele mesmo sabia há dois dias. Era como se aquele sujeito houvesse lido o diário de sua mãe apenas com um toque ao recolhê-lo do chão.

— Q-Quem é v-você? — Miro balbuciou, ainda incrédulo.

O homem guardou as mãos nos bolsos de seu sobretudo e enquanto a brisa açoitava seus cabelos negros ele mantinha o seu sorrido orgulhoso.

— Eu também sou um feiticeiro. Me chame de Meicy Kallú.

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Legend - O Feiticeiro Oculto (Livro 2) EM REVISÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora