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"Este é tempo de partido,

Tempo de homens partidos."

Carlos Drummond de Andrade

A multidão se aperta em uma massa indistinta de corpos. Caminham todos juntos, com passos apertados, quase pisando os pés dos demais. Ao se aproximarem, todos param e permanecem em silêncio. Os olhares estão voltados para as enormes portas de mármore azulado que se erguem diante do Templo. O Sacerdote, vestido em sua exuberante túnica branca decorada com fios de ouro, ergue as mãos e diz algo difícil de se escutar. Mas, apertando os olhos como se pudesse ouvir melhor, a multidão pega as palavras no ar:

- Sejam bem-vindos, meus filhos! Neste dia glorioso eu anunciarei as últimas palavras de nossa sagrada Voz que meus ouvidos hão de escutar. Após este momento, quem deverá lhes trazer as santas profecias será meu sucessor e honrado filho, que servirá a vocês com seu árduo trabalho de Sacerdote.

O filho do Sacerdote avança alguns passos à frente e é aplaudido pela massa uniforme. O estalar dos aplausos ecoa pelo ambiente. O Sacerdote ergue novamente as mãos, e os ecos desaparecem por completo, como se até mesmo o ar obedecesse ao seu comando.

- Peço-lhes silêncio agora, para que a Voz possa em mim se manifestar.

Todos imediatamente curvam a cabeça e fecham os olhos em uma concentração vazia, como se o mais leve movimento pudesse perturbar o sutil tecido da ausência das vozes. O único som que se ouve é o cantar de algumas aves distantes e o ruído cortante de pedra rolando sobre pedra, enquanto as duas grandes portas se afastam uma da outra.

Apenas dois pares de olhos permanecem abertos. Um deles pertence ao filho do Sacerdote, que, tremendo de ansiedade, tenta distinguir qualquer forma através da penumbra da porta pela qual seu pai entra. Em vão, já que a escuridão dentro do Templo é total e se torna ainda mais negra para os olhos que estão debaixo do sol intenso. Seu olhar logo desvia para a multidão, envergonhado e com medo. Ele sabe muito bem que olhar através das portas do Templo é proibido.

O peso esmagador do que acaba de fazer cai sobre ele. Em choque, ele analisa cada um dos rostos. Todos estão com os olhos fechados.

Todos, menos um.

O primeiro par de olhos encontra o segundo.

E algo na expressão daqueles olhos perfeitamente pretos faz um arrepio correr pelas costas do filho do Sacerdote.

Do meio da multidão,o garoto mantém o olhar fixo no seu, como se as duas esferas negras o olhassem diretamente do Inferno.    

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