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Vários olhares surpresos o seguem enquanto caminha pelo palanque, dirigindo-se à entrada do Templo. Ninguém ousa dizer uma só palavra.

O silêncio mortal domina cada um dos presentes, desde os Auxiliadores atrás dele até a última fileira da multidão.

Sua orelha decepada e coberta por uma crosta escura de sangue atrai a atenção de todos.

Algo em sua fisionomia, porém, é ameaçador o suficiente para que todos tenham medo até mesmo de respirar enquanto ele passa.

Seu olhar é distante e frio conforme se aproxima. Cansado de fingir, deixa todo seu ódio transparecer e, pela primeira vez, todos o enxergam como realmente é.

E todos tremem de pavor diante do demônio que para à frente das portas do Templo, rosto ensanguentado, o corpo marcado por hematomas.

Lúcio permanece imóvel enquanto as duas portas se abrem ruidosamente, o único som que corta o silêncio mortal de quilômetros.

O odor pútrido escapa, exalando forte, alcançando a todos.

Ele não entra no Templo.

Para espanto dos Auxiliadores, que continuam estagnados em torpor, ele se dirige diretamente ao Púlpito, encarando a multidão com seu olhar petrificante.

Sua mão esquerda se ergue, fechada em punho.

- O antigo Sacerdote está morto. - diz, sua voz inexpressiva ecoando na distância - Eu o matei.

Os olhos da multidão se arregalam em espanto, o choque lhes impedindo de reagir.

- O Auxiliador da Justiça também está morto. Eu o matei.

Ele encara a todos, um por um, captando com a visão periférica o movimento sutil dos Auxiliadores, que começam a cercá-lo lentamente.

- Eu sou Dantálion, líder dos Surdos, e declaro neste momento o fim do regime sacerdotal!

Antes que pudesse piscar os olhos, a cena ao seu redor muda completamente.

A multidão começa a gritar, todos se movendo ao mesmo tempo numa massa confusa, esbarrando e tropeçando uns nos outros, sem saber se correm na direção do palanque ou para longe dele.

Os Auxiliadores o cercam, preparados para detê-lo.

Só então os vultos negros aparecem entre as árvores, com todo tipo de armas nas mãos, saltando com agilidade sobre o palanque e se lançando contra os Auxiliadores.

A guerra começa.

Lúcio saca a adaga, golpeando em todas as direções.

A lâmina perfura e corta a carne de qualquer corpo que consiga alcançar. O sangue de vários homens espirra sobre ele, enquanto socos e chutes atingem seu corpo por ambos os lados.

Resistindo à dor dos impactos e à pressão que tenta derrubá-lo, ele ruge como um animal, desferindo golpes rápidos e repetitivos, o sangue de suas vítimas embaçando seus olhos.

Os Surdos chegam para socorrê-lo, lutando contra os Auxiliadores, com lâminas e com os próprios punhos.

Em pouco tempo, o conflito está acabado.

Os Auxiliadores estão encurralados pelos Surdos, que os ameaçam com novos golpes a cada tentativa de romper a barreira humana. A maioria deles apresenta ferimentos leves, apenas um permanece imóvel no lugar em que havia caído.

Um último Auxiliador, ainda não capturado, se lança repentinamente contra Lúcio, armado com uma faca.

O garoto reage, usando a adaga para segurar os golpes.

Num passo em falso, porém, o Auxiliador desliza a faca sobre sua coxa, abrindo um corte profundo.

Tomado pela dor, não consegue desviar do segundo golpe.

A faca corta o ar com velocidade, buscando diretamente a artéria em seu pescoço.

No último instante, a lâmina erra seu percurso, acertando-o lateralmente, sem cortar.

Os três Surdos que haviam derrubado o Auxiliador agora o imobilizam, empurrando-o para dentro do círculo.

Caído no chão, Lúcio pressiona as mãos contra o corte em sua perna, o sangue vazando por entre seus dedos. Em desespero, retira a túnica, rasgando uma tira com a adaga para enrolar sobre o ferimento.

Tremendo de fraqueza e sentindo seu estômago revirar, ele pressiona o tecido sobre a perna com força por longos minutos, até que finalmente a torrente de sangue começa a diminuir.

Quando retoma a consciência da realidade à sua volta, dois Surdos estão amarrando suas mãos.

- Ei, o que vocês estão fazendo?! - grita, o pânico estreitando sua voz.

- Fique quieto e não se mova. - responde a voz alterada pela máscara.

- Esperem! Eu sou um de vocês, o que vocês pensam que...

Um soco atinge seu rosto antes que termine a frase, embaralhando seus sentidos.

- Eu disse para ficar quieto.

Tomado de descontrole, ele tenta se desvencilhar das amarras, a dor atingindo um nível insuportável quando se apoia sobre a perna esfaqueada, abrindo novamente o corte que verte sangue como uma torrente.

Um novo golpe atinge seu rosto, e uma terceira pessoa ajuda os outros dois a imobilizá-lo.

Ele olha para todas as direções, suplicando por ajuda, mas nenhuma das túnicas pretas dos Surdos ou cinza dos Auxiliadores demonstra qualquer compaixão.

Um sentimento horrível de solidão o domina, lágrimas inundam seu rosto.

Assim como Dantálion havia previsto, ele era o inimigo de ambos.

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Dantálion [COMPLETO]Where stories live. Discover now