Deixe os sinos tocarem, onde quer que estejam
Não, você pode dizer pra todos eles agora
Eu não volto atrás, eu não recuo
Eu não me rebaixo e eu não me curvo
Eu cheguei muito longe.
Não me importa onde os inimigos estão
Não posso ser parado
Tudo que eu sei faz a diferençaE essas promessas quebradas
Lá no fundo
Cada palavra se perde no eco
Então, uma última mentira
Eu vejo através dela
Dessa vez eu finalmente deixo você irLinkin Park - Lost in the Echo
O resto daquele dia e a noite seguinte passam como um pesadelo.
Sem poder sair do quarto, Lúcio se contorce em sua mente, corroendo-se de dúvidas e medos.
Várias vezes havia retirado a tampa do frasco, decidido a tomar o veneno, para então mudar de ideia e tornar a fechá-lo. Para que Vero tinha lhe dado aquilo? Estaria ele realmente lhe dando o conselho de cometer suicídio antes que o pegassem?
Incapaz de dormir, sentindo nas costas o peso da culpa e da preocupação constantes, ele espera com agonia até que a manhã seguinte chegue, na esperança de se ver livre, de alguma forma.
Assim que o sol surge no horizonte, alguém bate em sua porta.
Ele abre, tomado por um sobressalto quando vê o rosto do Auxiliador da marcenaria.
- Com licença, senhor Sacerdote. Estamos iniciando uma reunião de emergência no salão principal, e sua presença é requisitada imediatamente. – avisa o homem calvo.
- Por que Vero não veio me chamar?
O homem pisca nervosamente.
- É melhor o senhor comparecer à reunião. Anton vai explicar tudo.
Lúcio veste a túnica com pressa e dispara pelos corredores, obrigando o Auxiliador a acompanhar seu ritmo.
Ao chegarem ao salão, todos os Auxiliadores já estão sentados à mesa. Anton, de pé, dirige a reunião.
Lúcio observa o rosto de cada um deles, parando os olhos nas três cadeiras vazias: a sua, a de seu pai e a de Vero.
- Por favor, sente-se, senhor Sacerdote. – diz Anton, apontando-lhe sua cadeira habitual.
Ele obedece.
- Como todos sabem, o paradeiro do antigo Sacerdote ainda é desconhecido, e há uma grande chance de ele estar morto.
Murmúrios de espanto surgem de todos os lados. O Sacerdote mantém os olhos fixos em Anton.
- Realizamos ontem uma varredura pelo Palácio, com objetivo de encontrar qualquer elemento suspeito, e preciso dizer que nossa busca teve resultados bastante inusitados.
Lúcio consegue ouvir os próprios batimentos em seu crânio.
- Encontramos isto num dos aposentos do Palácio. – continua Anton, erguendo um item.
Por um momento, a realidade se dissolve, o mundo inteiro mergulhado em ácido.
O Sacerdote perde o ar, sentindo o chão afundar sob seus pés enquanto olha com horror para o livro de poemas que Anton tem nas mãos. O livro de Dantálion.
- Um item que prova a culpa de seu dono, já que, além de ser proibido, foi certamente trazido de fora da cidade, violando pelo menos um dos Crimes Imperdoáveis.
A voz de Anton ecoa à distância, abafada pelo apito agudo que reverbera em seu ouvido.
- Onde foi encontrado? – pergunta alguém.
Lúcio aperta o cabo da adaga escondida em sua roupa, preparando-se para abrir à força um caminho para sua fuga.
- Nos aposentos de Vero, Auxiliador pessoal do Sacerdote.
Os olhos de Lúcio se arregalam em choque. Todos se viram em sua direção.
- Senhor Sacerdote, - inquere Anton – o senhor tinha ciência disto?
Incapaz de encontrar a própria voz, ele apenas sacode a cabeça.
- Evidentemente é uma surpresa para o senhor também. – continua Anton, testando sua reação.
- E onde está ele agora? – questiona outro Auxiliador – Precisamos prendê-lo imediatamente e descobrir mais informações!
Anton aperta o encosto da cadeira à sua frente, tomando um longo fôlego.
- Não será preciso realizar um julgamento. A culpa dele já é atestada, visto que ele amanheceu morto.
Lúcio sente os braços e pernas adormecerem, a visão embaçando.
- Como assim amanheceu morto? – questiona uma voz distante.
- Nós o encontramos em sua cama, o corpo já estava frio. Acreditamos que tenha cometido suicídio.
Os Auxiliadores murmuram entre si, abismados.
Lúcio mantém os olhos vidrados à frente, sem enxergar absolutamente nada.
Vero está morto. Por culpa dele.
- Isso significa que ele foi o responsável pelo desaparecimento do antigo Sacerdote? – pergunta a voz do Auxiliador do grupo da tecelagem, ecoando de outro mundo.
- Não podemos afirmar com certeza, mas temos motivos para crer que há alguma conexão entre os crimes. – Anton olha para os próprios pés, contrariado – Também temos motivos para crer que isso tenha algo a ver com os Surdos.
Os sentidos do Sacerdote retornam com força total, sua atenção despertada pela menção da última palavra.
- Os Surdos?! – exclama o Auxiliador do grupo da metalurgia, sentado duas cadeiras depois – Eles não existem mais!
- Há boatos de que estão se reagrupando. – responde Anton.
Uma preocupação súbita atinge Lúcio, fazendo-o lembrar que precisa se fingir de desentendido.
- Do que vocês estão falando? – ergue a voz trêmula.
Anton coça o pescoço.
- Os Surdos eram um grupo de pessoas que gostavam de descumprir as leis e queriam espalhar o mal pela cidade. Nós não falamos mais deles porque pensávamos que todos tinham sido aniquilados.
- E o que eles podem ter a ver com meu pai? Ou com Vero? – pergunta, descobrindo em si um talento de ator que desconhecia.
- Não sabemos exatamente, são apenas suposições. Correm alguns boatos pela cidade, algumas pessoas alegam ter recebido mensagens deles.
- O que faremos agora? – interrompe o mesmo Auxiliador que havia falado antes.
Anton retorce os lábios em desgosto.
- Vamos informar o público... E revistar a cidade em busca do corpo.
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Dantálion [COMPLETO]
Science Fiction[DISTOPIA GAY] Lúcio está prestes a dar o passo mais importante de sua vida: assumir o lugar de seu pai como Sacerdote. Dias antes de sua iniciação, porém, as coisas começam a desandar... Dúvidas e medos de infância reaparecem. A insegurança em sua...