3.

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Nos dias que seguem, o filho do Sacerdote passa as tardes caminhando sozinho ao redor do Palácio.

Sua iniciação ocorreria nos próximos dias, e a ansiedade lhe dava dores de estômago. Além disso, ele nutria a improvável esperança de talvez encontrar seu cúmplice indesejado e descobrir suas intenções.

As oferendas se destacam na paisagem. Grandes carroças carregadas com o que há de melhor: legumes, frutas, carnes, tecidos e até mesmo móveis, tudo que os produtores tinham a oferecer. A passagem de alguns homens carregando um enorme javali morto prende sua atenção. Nunca havia visto um javali tão grande. Quanto trabalho deve ter sido necessário para capturar o animal? A Voz certamente ficaria muito contente com a oferenda.

A expressão no rosto dos homens, no entanto, não parece ser de alegria. Sem entender o motivo, o filho do Sacerdote sente um gosto amargo subir de seu estômago já dolorido ao observar as expressões das pessoas que carregam suas oferendas. Tendo passado toda sua vida isolado dentro do Palácio, era uma das primeiras vezes que trocava olhares com as pessoas comuns, tão diferentes dos Auxiliadores, com seus rostos marcados por sentimentos desconhecidos.

Tentando se afastar dos pensamentos amargos, ele caminha na direção do bosque. O barulho das carroças fica cada vez mais distante, o único ruído é o das folhas secas estalando sob seus pés, quando uma voz rompe o silêncio, como se viesse de nenhum lugar:

- Procurando algo, filho do Sacerdote?

Tomado de susto, ele para. Olha em todas as direções, confuso, sem encontrar ninguém por perto. Seria possível que já estivesse ouvindo a Voz?

- Aqui em cima.

Ele se sente um tolo ao olhar para cima, procurando a fonte da voz misteriosa, até que percebe uma presença entre a densa copa das árvores. Num espaço vazio entre as folhas, dois olhos negros o encaram com um olhar infernal.

Seu sangue gela ao reconhecer aqueles olhos. Tentando disfarçar o nervosismo, solta a primeira frase em que consegue pensar:

- O que você está fazendo aí em cima?

Os olhos se expandem e parecem sorrir do meio das folhas.

- Não estou fazendo nada.

- Mas... Como você chegou aí?

- Como? Subindo. De que outro jeito poderia?

- Mas... Você está em cima de uma árvore!

- Você nunca esteve?

O filho do Sacerdote se cala, chocado com a pergunta. Raramente alguém o questionava diretamente e sem cerimônia daquela maneira. Geralmente os membros dos grupos de trabalho nem mesmo ousavam olhá-lo no rosto, o que poderia ser interpretado como falta de respeito à sua santidade. Ele pensa no que responder. Poderia responder que aquele garoto se comporta como um animal por fazer tal coisa sem sentido. Poderia responder que não, nunca estivera em cima de uma árvore. Mas um outro sentimento surge dentro de si, enchendo-o de arrogância e desprezo:

- O que você disse, garoto?

- Perguntei se você nunca esteve em uma árvore. - repete o outro.

Engrossando a voz, ele pergunta novamente:

- O que você disse, garoto?

O rosto pálido aparece entre os ramos, seus olhos contraídos em uma expressão de dúvida. Arrogante, o filho do Sacerdote assume seu tom mais autoritário, inflando o peito e plantando os pés com firmeza no chão:

- Presumo que você saiba quem sou eu, não sabe? Pois então, deveria saber que não se usa a palavra você para se referir ao seu senhor. Você nem sequer deveria dirigir uma palavra a mim. Para você, eu sou seu Digníssimo Senhor Sacerdote, entendeu? Então sugiro que você se retrate imediatamente e...

Sem avisar, o garoto salta da árvore, caindo praticamente em cima dele e interrompendo seu discurso acalorado. Não há medo em sua expressão firme.

O garoto é mais alto que ele, seu rosto pálido bem definido com traços angulosos. Seu cabelo, totalmente negro, é comprido o bastante para cobrir quase completamente suas orelhas, mechas irregulares caindo sobre seus olhos, jogando sombras sobre eles. Com audácia, o garoto estende um braço fino, apontando um dedo em sua direção, o desafio audível em sua voz enquanto ele coloca uma entonação mais forte sobre a palavra indesejada para irritá-lo ainda mais:

- Você, filho-do-Sacerdote-que-ainda-não-é-Sacerdote, saiba que, do mesmo modo como você me chama, eu posso chamar você.

O filho do Sacerdote sente o rosto queimar. O ódio que sente daquele garoto aumenta a cada segundo. Ele se prepara para gritar com ele, mas, quando abre a boca, o que sai não é um grito, e sim uma ameaça soturna e baixa:

- Eu vou te denunciar por desacato, e você terá sua cabeça cortada diante de mim.

O garoto não se intimida, cruzando os braços e retorcendo os lábios em um sorriso malicioso:

- Você se lembra daquele dia, na Audição?

O filho do Sacerdote aperta os punhos.

- Naquele dia você me viu, e eu vi o que você fez. - continua o garoto em seu tom provocativo.

- Ninguém acreditaria em você! - explode ele - Eu sou o filho do Sacerdote, e minha palavra vale mais que a sua!

- Tem razão. - responde o garoto, virando as costas - Eles sempre acreditam em tudo que os Sacerdotes dizem, não é? A verdade é que você pode dizer qualquer coisa a eles, pode até me matar, se quiser. Mas, mesmo assim, existiria alguém que continuaria sempre sabendo o que você fez, e aposto que esse você não pode matar tão fácil.

O filho do Sacerdote cospe a pergunta entre os dentes cerrados:

- Quem?

Já se afastando, o garoto de cabelos negros volta o rosto em sua direção, um sorriso de escárnio em seus lábios enquanto pronuncia cada sílaba lentamente:

- Vo-cê.

O garoto continua caminhando, ignorando os grunhidos de protesto do filho do Sacerdote, até que desaparece por completo entre as árvores.

O garoto continua caminhando, ignorando os grunhidos de protesto do filho do Sacerdote, até que desaparece por completo entre as árvores

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Boa noite, pessoal! Estão gostando?! Deixem a estrelinha e comentários abaixo! Semana que vem tem mais capítulos.

Vocês mal podem esperar para conhecer o garoto dos olhos negros...

Dantálion [COMPLETO]Where stories live. Discover now