2.

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Naqueles minutos que parecem uma eternidade, os dois olhares se mantêm firmes, desafiando um ao outro. O filho do Sacerdote sente a cada segundo que algo dentro de si está prestes a se despedaçar.

Ele espera que aquele garoto baixe o olhar. Ele não baixa. E a arrogância de quem ocupa um patamar elevado começa a subir dentro do filho do Sacerdote. Como aquele garoto ousava encará-lo dessa forma, no meio de uma Audição? A ele, o futuro Sacerdote, que em breve seria o líder de toda a cidade? O garoto deveria mostrar mais respeito, desviando o olhar diante do seu. Porém, pensando bem, não deveria ele próprio estar com os olhos fechados em respeito à sacralidade do Templo?

Se o garoto tinha feito algo errado, ele também tinha. Os dois, afinal, eram cúmplices de suas faltas. E a ideia de ter alguma cumplicidade com o garoto que o encara tão provocativamente o enche de ódio.

O ranger das portas se abrindo e em seguida fechando interrompe seus pensamentos. Logo todos estão de olhos abertos novamente, e tudo volta a ser como antes, exceto quanto àquilo que havia dentro de si, que parecia ter já começado a despedaçar e que não voltaria ao estado original. Nunca tinha se sentido dessa forma antes, e mal ouve quando o Sacerdote retoma a palavra:

- Meus amados filhos, a Voz se manifestou e me revelou a verdade deste mundo!

Os olhos da multidão brilham. O filho do Sacerdote procura por aqueles olhos insolentes, mas não os encontra em meio às centenas de olhares agora abertos.

- A Voz me revelou que está por vir um período de grande falta e dificuldade...

E se aquele garoto resolvesse contar o que ele havia feito?

- Portanto, devemos recolher oferendas de todos os produtores...

Ele não contaria. Seria a palavra de um garoto qualquer contra a sua.

- Que deverão ser trazidas nos próximos sete dias...

Além do mais, ele próprio havia cometido um Crime, poderia ser morto por isso.

- Para que a Voz se agrade e permita que, com esse ato de fé...

Mas, e se ele contasse?

- Todo o nosso povo seja salvo e abençoado!

Os aplausos ressurgem. As últimas fileiras de pessoas já começam a se mover, murmurando sobre coisas sem importância. O filho do Sacerdote permanece parado, na esperança de ver novamente aquele rosto e, quem sabe, identificar uma expressão traiçoeira.

Mas o único rosto familiar é o do Sacerdote, que se aproxima, exibindo ainda o sorriso. Ele toca o ombro do filho, guiando-o pelas escadas que descem de trás do palanque em direção ao Palácio.    

    

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Dantálion [COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora