Dantálion [COMPLETO]

56.

Quando isto começou, eu não tinha nada a dizer
e me perdi no vazio dentro de mim mesmo.
Eu estava confuso,
e deixei tudo isso escapar para perceber que não sou a única pessoa
com essas coisas em mente, dentro de mim.
Apenas preso, vazio e solitário,
e a culpa é somente minha.
A culpa é somente minha.

Linkin Park - Somewhere I belong

O céu está nublado, cobrindo o cenário com um tom cinza melancólico. A depressão parece se espalhar pela multidão, e até mesmo entre os Auxiliadores, que encaram o chão de mármore com desânimo. A pressão e umidade do ar indicam que logo irá começar a chover, e o instinto de todos lhes diz para voltarem para suas casas o mais rápido possível.

Mas não podem. Todos devem esperar até o fim da Audição.

O Sacerdote não tem pressa. Para ele, pouco importa se todos se molharem. Seria até melhor. Assim, pelo menos, o povo ficaria com mais raiva ainda dele, e quem sabe os velhos do Palácio não pegassem alguma doença fatal...

As coisas eram diferentes agora. Tanto ele quanto Dantálion haviam sido responsáveis pela morte de alguém, e ambos haviam executado suas vítimas um na frente do outro, algo que aumentava mais ainda a dor.

Se cometer um erro já é ruim, cometer um erro na frente de alguém que se estima é insuportável.

A última pessoa que queria ter na sua frente num momento de crueldade era Dantálion. E era também a última pessoa que gostaria de ter visto rasgando o pescoço de alguém, principalmente depois de ver a expressão devastadora que havia se apoderado do garoto após o ocorrido. Dantálion odiava a morte, e odiava mais ainda matar.

Se antes havia em Lúcio algum tipo de empatia pelos Auxiliadores, agora já não restava nenhuma, não depois do ato odioso que eles o obrigaram a cometer.

Seu antigo eu não veria problema algum em guilhotinar uma mulher pega em flagrante ao quebrar uma lei. Antes, teria a consciência limpa de estar fazendo algo justo, de estar cumprindo seu papel, e até mesmo se sentiria orgulhoso de obedecer à vontade da Voz.

O pensamento o faz fechar os punhos. Como poderia ter sido uma pessoa tão horrível há apenas alguns meses? Como podiam os homens do Palácio terem-no criado para ser alguém tão desprezível? Alguém que tolerava o assassinato de pessoas que não fizeram mal a ninguém, enquanto observava pacificamente os abusos de poder que corriam livremente à sua volta?

Um sádico.

Um tirano.

Um assassino.

Um ditador.

Era isso que tinha crescido para se tornar.

Ele sabe, no entanto, que a culpa não é totalmente sua. Não teve escolha alguma, tinha nascido filho do Sacerdote, e não podia viver outra vida. Se era realmente o responsável por tudo que vinha acontecendo, o restante do Palácio não era menos culpado.