Eins.

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I can't stop the Dogs of War.

— Uma cerveja. — o ruivo murmurou, erguendo seu dedo indicador para o barman. Soltou um longo suspiro, endireitando-se no banco, enquanto olhava para si mesmo através do espelho.

Olheiras profundas. Marco estava repleto delas. Sua pele — que já fora tão hidratada — agora parecia se desfazer aos poucos. Estava um caco e sua aparência gritava isso para todos que quisessem ouvir.

Agradeceu ao barman, quando a garrafa gelada foi colocada à sua frente e se desligou de si mesmo, quando levou-a até os lábios rachados.
Tentara por seis meses — inutilmente, devia ressaltar — manter sua vida em Dortmund. Porque era mais fácil; porque era tudo o que ele tinha. Mas não deu certo. Algumas vezes, era melhor deixar a poeira abaixar, outras vezes, era melhor fugir do problema. Marco não sabia qual das duas tinha sido sua escolha, mas seja lá qual fosse, tinha levado-o para Greifswald.

Tom!

O som ruidoso veio do recém chegado, que depositou suas mãos nos ombros do homem sentado ao lado de Reus. Marco tentou ignorar a cena o máximo que pôde, mas não conseguiu conter sua curiosidade, espiando pelo espelho.  O homem, pouco mais novo que Marco, apertou seus olhos, conforme os dedos do outro apertavam seu músculo. Reus ergueu os olhos, subindo-os para o homem que havia se juntado ao bar, através do espelho. Toda sua aparência gritava alertas de problemas, e todos esses alertas pareciam deixa-lo ainda mais bonito. Tatuagens escuras sobre a pele alva e lábios finos misturados à um corte de cabelo charmoso demais, para alguém como ele. Como ele. Marco conhecia aquele tipo de homem, e tinha ouvido falar sobre os Cães por toda a amanhã, no hotel em que ficara hospedado. Donos da cidade, segundo muitos, mas para Marco, eram apenas membros de uma gangue que todos aprenderam à amar. Ou, no mínimo, respeitar.

O loiro ignorava sua presença tão próxima, assim como os dois outros homens, postados atrás dele. O bar continuava com a música baixa e as pessoas, com as suas vidas. Deveria ser algo que acontecia com frequência e todos sabiam que não deveriam se meter.

— Um passarinho me disse, que você anda distribuindo por aí. — sua voz caiu para um sussurro e o aperto ficou mais firme.

O homem — Tom — abriu os olhos depressa, em total surpresa. Pego no pulo.

— Toni, cara — murmurou, sem saber ao certo o que dizer. Marco interferiria se fosse em sua cidade, onde conhecia todos e aquele tipo de coisa não existia mais. Mas ali, onde ele era o forasteiro, tudo o que poderia fazer, era ficar na sua. — Eu juro, cara.

Cara. Toni pareceu se divertir com o termo, rindo alto e sendo acompanhado pelos outros. Algum tipo de piada interna? Marco não saberia dizer, mas o loiro manteve a risada por alguns segundos, antes de se abaixar e sussurrar, próximo demais do ouvido do outro.

— Dois dias.

Marco pode ouvir e ler seus lábios com clareza, ato que não passou despercebido pelo loiro, que virou seu rosto e encarou-o nos olhos. Olhos azuis e turvos, do tipo que escondia coisas demais. Do tipo que Marco passava longe. Ele não disse nada, nem mesmo quando compartilhou com Reus um sorriso pequeno e repleto de intenções contidas. E por Deus, Marco tinha certeza de que não gostaria de saber quais intenções eram essas.

— Te vejo na sexta. — balbuciou, ainda abaixado sobre os ombros de Tom. As palavras dirigidas ao homem, mas os olhos voltados para Marco. Ele desviou o olhar. — Vamos embora.

Reus não viu quando ele corrigiu a postura e nem quando saiu do bar, mas pode notar o quão mais leve o ambiente ficou com sua ausência. Ouviu Tom respirar fundo ao seu lado e apertar o copo de uísque entre as mãos. Dedos trêmulos. Marco ergueu os olhos, virando seu rosto para ele.

— Está tudo bem?

Era óbvio que não estava, mas ele não conseguira pensar em nada melhor para dizer. Tom retribuiu a atenção, franzindo seu cenho.

— Pareço bem? — a pergunta retórica foi o suficiente para fazer Reus se lembrar de que deveria cuidar da própria vida. Suspirou, voltando sua face para o espelho. Não era bom em fazer amigos e sua gentileza ainda colocaria-o em problemas. Viu Tom se mover e ouviu quando o mesmo balbuciou algo para si, antes de voltar a se dirigir ao ruivo. — Foi mal, cara. — Tom parecia se referir à todos como cara, Marco achava um termo chulo, mas não seria ele a dizer aquilo para o homem. — Você é o novo médico, não?

Ele era. Assentiu, seu aceno sendo retribuído por Tom. Já imaginava que os moradores tivessem conhecimento de sua chegada, mas não cogitou a ideia de que todos assimilariam a pessoa ao cargo. Marco não tinha a aparência exata do médico certinho e de boa família, mesmo que isso fosse tudo o que ele era. Cirurgião — para o horror de sua mãe e felicidade de seu pai. Filho de uma advogada e um médico, um exemplo de cidadão. Do tipo que seu sobrinho sempre dizia que queria ser. Mas não era isso que se via, quando olhava para Marco. Pelo menos, não depois de tudo o que acontecera no último ano.

— E você? — questionou, bebericando sua cerveja. A tentativa de manter uma conversa, era egoísta. Ele não queria saber da vida de Tom, porque aquele homem não era o tipo de pessoa com quem Marco gostaria de criar laços. Mas estava ali, tentando puxar assunto, na vã tentativa de manter seus pensamentos em silêncio.

Tom riu. Um riso nervoso, assim como seus olhos, que se moviam por todo o bar.

— Não vai querer saber, doutor. — aquela foi a única resposta que Marco obteve, antes do homem se levantar e depositar algumas notas sobre o balcão. — Nos vemos por aí.

Reus acenou, assistindo-o caminhar para fora do bar. Não duvidava que fosse encontra-lo em algum lugar da cidade, aquela era a sina de cidades pequenas. Soltou um longo suspiro, terminando sua bebida. Era uma terça-feira à noite e ele não fora capaz de se manter sóbrio e em casa.

Repetiu os movimentos de Tom, deixando a nota sobre o balcão de madeira, para então se levantar do banco. Tinha alguns dias livres para conhecer a cidade, antes de que todo seu tempo fosse tomado pelo hospital, mas naquele momento, tudo o que Marco queria era a bagunça de seu novo apartamento e o calor confortável de sua cama.

Dogs of War. {Kreus Ver.}Where stories live. Discover now